Até aqui Lula e seus colaboradores tinham a plena confiança de que grandes eventos internacionais lhe garantiriam voto e prestígio. Foi assim em março, quando ele esteve na Inglaterra, passeou de carruagem com a rainha Elizabeth e, de volta ao Brasil, percebeu que sua popularidade tinha melhorado. Na semana passada, já em plena campanha eleitoral, o presidente tentou repetir a dose na cidade russa de São Petersburgo, durante a reunião do G-8, o grupo dos oito países mais ricos do mundo mais a Rússia. Mas o resultado, desta vez, não foi tão bom: Lula voltou de mãos vazias e ainda sofreu um revés de um de seus maiores aliados, o presidente francês, Jacques Chirac. Ele foi para a Rússia com a missão principal de desencravar as negociações da chamada Rodada de Doha, tentativa diplomática de acabar com as barreiras comerciais no planeta. Ensaiou direitinho o papel que gosta de interpretar, de líder dos países em desenvolvimento. Fez discursos duros. Bradou que o fim dos subsídios agrícolas mantidos pelas nações ricas, por exemplo, é o caminho mais curto para acabar com a fome e a pobreza. “O patamar atual dos subsídios agrícolas é excessivo, ilegal e desumano”, defendeu Lula. Não adiantou muito.

O presidente não conseguiu ouvir dos colegas do Primeiro Mundo o compromisso de destravar a mesa de negociação. Chirac, irritado, acusou o presidente brasileiro de reivindicar a abertura de mercado sem oferecer as devidas contrapartidas. “O presidente Lula pensa da seguinte forma: o que é meu é meu; o que é dos demais é negociável”, teria dito, conforme registro da imprensa. Lula, por sua vez, rabateu: “Continuo otimista que o presidente Chirac vai ceder um pouco.” Com o americano George W. Bush os elogios ficaram só na aparência. “Você está muito bem!”, disse Bush ao observar a cintura de Lula. “É por causa das eleições”, devolveu o brasileiro.

Em berço esplêndido diante dos bons números que antes lhe davam vitória em primeiro turno, Lula decidiu fugir do debate eleitoral e correr literalmente por fora. Da Rússia, ele passou pelo Planalto e, um dia depois, voou para a Argentina, para mais uma reunião de cúpula do Mercosul. A idéia era passar ao largo do debate interno, e aparecer como o estadista Lula. O comando da campanha petista apostava alto nessa estratégia, que tinha seu emblema no passeio de carruagem em Londres com Elizabeth II. Para os cardeais do PT, quando apareceu ao lado da rainha, Lula promoveu um salto qualitativo em sua imagem, à época acossada pelo acirramento da crise do mensalão. Com o episódio londrino na cabeça, a idéia era reforçar a agenda externa para estender o efeito positivo ao máximo, até levá-lo para as urnas.

Só que o plano foi abatido em pleno vôo. Enquanto o presidente voltava de São Petersburgo, saía do forno mais uma pesquisa eleitoral. O resultado, que apontou uma subida significativa da senadora Heloísa Helena, do PSOL, pôs em xeque a certeza de que Lula vencerá sem necessidade de segundo turno. O presidente, de pronto, acusou o golpe e resolveu aterrissar. Decidiu pôr os pés no chão, ir para as ruas. A ordem agora é diminuir as viagens internacionais e começar a rodar o Brasil. A primeira viagem já estava marcada. Será no sábado 22, em Pernambuco. O presidente lançará sua campanha em comício na favela Brasília Teimosa, no Recife, a mesma que ele visitou logo após ser eleito em 2002.

Para o dia 29, já marcou compromissos de campanha no Rio Grande do Sul. E no dia seguinte vai a Santa Catarina. Enquanto isso, o presidente vai ajustando seu programa de governo, que desta vez fugirá de metas numéricas. Ele aprendeu na prática que isso não dá certo. Por essa razão, nesta campanha, vai explorar conceitos. Dirá que vai investir pesado em educação e que trabalhará pelo crescimento econômico e pela estabilidade política. Mas a principal bandeira será mesmo a da distribuição de renda. “Muito dinheiro na mão de poucos é atraso. Pouco dinheiro na mão de muitos é desenvolvimento”, disse ele em reunião da coordenação de campanha na semana passada. No mesmo encontro, Lula avisou aos aliados que é para trabalhar considerando que haverá segundo turno. Falou com os pés mais no chão do que nunca. Ele aterrissou mesmo.