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DUPLA Ana Mannella e Juca Moreira estenderam a parceria no casamento para a vida profissional, montaram uma empresa e trabalham juntos

O aposentado José Calarge já ganhou – e perdeu – dinheiro de todo jeito. Em ações na bolsa, numa empresa de publicidade e até com plantação de café. Na juventude, pintou e bordou, bebendo com Tom Jobim em Ipanema e farreando nos cabarés de Laranjeiras. Aos 79 anos, mora com conforto, mas sem excessos, em uma cobertura em Ipanema. À exceção dos problemas na coluna e nos joelhos, devido ao fanatismo por futebol, tem saúde de ferro. De todos os antídotos, o mais certeiro e duradouro é Helena, uma elegante mulher de 76 anos de idade com a qual se casou há 56, sem imaginar que, ao levá-la ao altar, acabava de garantir uma vida longa. “Se não fosse ela, eu nem estaria vivo”, reconhece, dirigindo à companheira um olhar jovial. Helena sorri com discrição e pede licença para atender o telefone. É do laboratório, avisando que o exame para verificar risco de câncer de próstata do marido está pronto. “Ela me obriga a fazer o exame de seis em seis meses. Esses e muitos outros. Tomo remédio mais para evitar a cobrança dela do que por mim.”

Helena também não consegue imaginar a vida solteira, mas avalia, com bom humor, que, em termos de saúde, ele foi mais beneficiado. “Eu tenho problemas cardíacos e ele não tem nada.” Ao longo dos anos, eles aprenderam a conviver com as diferenças. “Temos opiniões divergentes e brigamos, mas é melhor assim do que ficar calado. Ter cumplicidade para conversar na cama, contar segredos e dividir problemas me dá segurança e paz, faz bem à saúde”, diz Helena. “Se ele morrer antes, sofrerei muito, mas terei o apoio dos filhos para a vida continuar.” Calarge nem pensa em Helena “ir” primeiro. “Eu não saberia cuidar de mim, dos filhos e da casa. Sem ela, não funciono”, declara. Helena não gosta do rumo da conversa e interrompe o marido. “Temos muito o que viver”, encerra.

Os septuagenários Calarge e Helena ilustram algo que a ciência já constatou: casamento faz bem à saúde. Pesquisas afirmam que os solteiros sofrem mais de doenças mentais, respiratórias, cardiovasculares, câncer e têm maiores taxas de suicídio. Além disso, a vida a dois ajuda as pessoas a lidar melhor com o stress. As situações estressantes põem em funcionamento hormônios, glândulas e circuitos neurológicos. No cérebro, o hipotálamo determina a produção de cortisol. Este hormônio diz ao organismo para esquecer suas necessidades metabólicas básicas e se concentrar no que é necessário para enfrentar a adversidade. O stress do dia-a-dia, como trânsito, contas a pagar e falta de tempo, coloca o organismo neste constante estado de alerta. Pressão alta e dores de cabeça são duas das conseqüências deste estilo de vida. “Ao fim, a pessoa viverá menos e infeliz”, diz o neurocientista James Coan, da Universidade de Virginia.

Os homens são os maiores beneficiários do casamento como fator desestressante. Estudo publicado na última edição do jornal Health Psychology, dos Estados Unidos, mostra que a cascata de hormônios cessa quando eles chegam ao conforto do lar depois de um dia cheio no trabalho. Com elas só acontece a mesma coisa se vivem um casamento feliz, com um companheiro parceiro também em casa. Na luta pela igualdade entre os gêneros, a mulher conquistou o direito ao trabalho e à independência financeira, mas o homem não fez o movimento inverso para equilibrar as relações, ou seja, dividir as tarefas domésticas. “Até há os que cozinham, levam o filho à escola, mas é difícil um homem que arrume a casa, administre a empregada, faça supermercado”, diz a psicanalista Frida Atie, mestre em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Pesquisa coordenada pela professora Gláucia Diniz, do Instituto de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), com 500 homens e mulheres casados, no Distrito Federal, confirma esta tese. “Embora ambos se sentissem satisfeitos e dispostos a fazer o possível para o casamento dar certo, o grau de satisfação dos homens foi maior que o das mulheres”, diz ela.

O casamento também traz mudanças no estilo de vida que contribuem para a saúde. “Nas vezes em que fiquei sozinha, fazia menos exercícios físicos e fumava mais. Não fumo há quatro anos”, diz Ana Mannella, 40 anos, casada há seis. Um relatório do Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos afirma que os solteiros, viúvos e divorciados são mais propensos a fumar e beber muito. Para Ana, porém, o maior benefício de viver acompanhada é a estabilidade emocional. “A vida de solteira é uma lacuna. Quando estava sozinha, ficava mais deprimida. Além disso, você fica mais exposta a riscos porque sai para a rua até quando não tem vontade, em busca de alguma coisa que nem você sabe o que é.”

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Ana é casada com Juca Moreira, 46 anos. Ambos estão no segundo enlace e estenderam a parceria para o trabalho. Tocam juntos, dentro de casa, a empresa Eventeria, de produção de eventos. “Achávamos que, se a troca de idéias na busca da melhor opção dava certo na vida a dois, também daria certo na empresa. Você fica assistido o tempo todo por alguém que quer o seu bem, que enxerga perigos que você não vê”, resume Juca. Na parceria, segundo ele, as diferenças somam. Ele é mais desinibido para abrir portas, fazer contatos, conquistar clientes. Em compensação, é mais perdulário, menos organizado. “Ela vem na retaguarda, é mais objetiva e está sempre alerta para evitar desperdícios. Assim, eu tenho mais tempo para ganhar mais dinheiro. Somos a lança e o escudo”, diz o empresário, comparando a ampliação do patrimônio com o aumento do bem-estar.

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Antes de se casar com Ana, Juca era o típico solteirão sem limites. Não perdia uma festa, uma dose, um cigarro. “Se não fosse ela para botar as rédeas, eu estaria na vala. Não preciso mais das alegrias conquistadas com a bebida”, diz. Hoje, Juca prefere acordar cedo para andar de bicicleta com a mulher na Barra da Tijuca, onde acabam de comprar uma bela cobertura. É uma boa providência. Apesar dos vários benefícios para a saúde, o casamento costuma trazer quilos extras. Os homens casados, sobretudo, têm 20% mais probabilidade de ser obesos ou estar acima do peso do que quem nunca trocou alianças.

Os dados mostram que o casamento está em alta. Os enlaces cresceram 6,5% em 2006, em relação ao ano anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesse período, os divórcios aumentaram 7,7%, mas nem isso parece pôr em xeque a instituição. Embora os solteiros ainda sejam a imensa maioria na hora de trocar alianças, o percentual caiu de 90,2% para 85,2% na última década. Ou seja, as pessoas estão dando chances à construção de uma nova família com um segundo casamento. A união entre divorciados passou de 0,9% para 2,2% do total nesse período e o maior crescimento ocorreu no enlace de divorciados com solteiras: saltou de 4,2% para 6,5%. “As pessoas sentem necessidade de encontrar um ninho de segurança que uma parceria estável, com um mínimo de qualidade, pode gerar”, diz Gláucia Diniz, da UnB. Para a psicanalista Frida Atie, o contraditório é que, mesmo dando tanta importância à vida a dois, não é raro a pessoa descuidar do relacionamento. “Para que seja uma fonte de felicidade, é preciso cuidar do casamento como uma planta sensível, regar sempre e dar banho de sol.”