O inglês Arthur Dent (Martin Freeman) tem lá seus motivos para se sentir desconfortável. Seu melhor amigo, Ford Prefect (Mos Def), não é quem ele pensava e, de uma hora para outra, sua casa será derrubada para dar passagem a uma nova rodovia. Na verdade, Prefect é um alienígena que vive disfarçado há 15 anos no planeta Terra e a “casa” a ser demolida é nada menos que o próprio planeta. Minutos depois, os dois estarão vagando no espaço à espera de uma carona, nas proximidades de uma grande área desabitada onde até há pouco a Terra girava indiferente. Essa é a primeira cena de O guia do mochileiro das galáxias (The hitchhiker’s guide to the galaxy, Estados Unidos/ Reino Unido, 2005), que estréia em todo o País na sexta-feira 3, um filme que pode ser o início de uma trilogia inspirada nos quatro livros escritos pelo inglês Douglas Noel Adams, a partir de 1981.

Dent e Prefect, que escolheu seu nome porque ao chegar acreditou que esse modelo de Ford europeu era a raça predominante na Terra, são recolhidos pela nave Coração de Ouro, uma espécie de bule de porcelana alado. Dirigido por Zaphod Beeblebrox (Sam Rockwell), ser de duas cabeças recentemente eleito Presidente da Galáxia, o artefato celeste traz uma passageira, Trillian (Zooey Deschanel), na verdade a ex-paquera de Dent, Tricia McMillan, e Marvin (Warwick Davies, com a voz de Alan Rickman), um robô deprimido. Auxiliados pelo Guia do Mochileiro das Galáxias, do qual Prefect é um repórter de campo, os três deverão enfrentar os vogons, burocratas que ordenaram a construção da via expressa interestelar, encontrarão Humma Kavula (John Malkovich),
líder religioso com uma infinidade de pernas, e ouvirão do Pensador Profundo (escultura inspirada em Rodin com
a voz de Helen Mirren) que a resposta para o porquê da existência é “42”. Ao final vão todos almoçar, porque
ninguém é de ferro.

Alucinógeno – Como essa trama – que parece um Guerra nas estrelas com ácido, em referência à droga alucinógena – virou cult nos anos 1980, continua uma incógnita. Na verdade, o escritor Douglas Adams, como ficou conhecido, ou DNA, como assinava orgulhoso, nem gostava de escrever. Como Orson Welles, ele ganhou celebridade através do rádio. Enquanto o rotundo diretor paralisou a
América em 1938 com sua adaptação de A guerra dos mundos, DNA apresentou pela BBC, 40 anos mais tarde, uma história originalíssima que rompia de vez
com as amarras da ficção científica. Aos 26 anos, tornou-se ídolo de celebridades, como George Lucas, John Cleese, Paul McCartney e os músicos do Pink Floyd.
Suas idéias foram discutidas por astrofísicos do porte de Richard Dawkins e
Stephen Hawking e o humor irreverente e bem fundamentado foi comparado à
obra do americano Kurt Vonnegut Jr.

A tetralogia vendeu 15 milhões de exemplares no mundo todo, chegou ao Brasil nos anos 1980 e está sendo relançada. São eles O guia do mochileiro das galáxias (Sextante, 208 págs., R$ 19,90), O restaurante no fim do universo (idem, 240 págs., R$ 19,90), A vida, o universo e tudo mais (idem, 224 págs., R$ 19,90), que deve chegar às livrarias esta semana, e Até mais, e obrigado pelos peixes, prometido para o próximo ano. O título do último volume dá uma idéia do universo de Adams. Essa teria sido a última frase dita pelos golfinhos pouco antes de a casa de Arthur Dent, ou melhor, a Terra, ser destruída. Tamanha loucura necessitava uma boa adaptação e o próprio autor esteve empenhado na realização do filme, através da The Digital Village, uma empresa de software que fundou, criando novos personagens, como Humma Kavula. Infelizmente DNA faleceria subitamente, aos 49 anos, fulminado por um ataque cardíaco em 2001.

Com o aval de sua família, a produção consumiu US$ 50 milhões. Karey Patrick, de Fuga das galinhas, cuidou do roteiro adicional, deixando a direção a cargo do estreante Garth Jennings e a produção para Nick Goldsmith, uma dupla que se consagrou com vídeos para o R.E.M., Supergrass e Blur. A Creature Shop, fundada pelo falecido Jim Henson, criador de Vila Sésamo e Muppet show, responsabilizou-se por todas as criaturas, a começar pelos vogons de dois metros de altura, mistura de barro, borracha e espuma e cujas expressões faciais são provocadas por animatronics – 35 motores individuais. Apesar de contar com imagens geradas por computador (CGI), o elenco contracena de fato com as criaturas bizarras a maior parte do tempo.

A trupe conta ainda com Bill Nighy, como Slartibarfast, engenheiro civil planetário especializado em litorais complicados como fiordes, e Stephen Fry, dono da voz do Guia, que fala por uma tela. Bolado por Adams em 1978, o artefato é um PDA (computador de mão) com internet, celular, eBook e iPod. Alguns de seus verbetes podem ser lidos no site www.bbc.co.uk/dna/h2g2. H2G2 era como Adams chamava sua saga, sem a qual filmes como Caça-fantasmas e MIB – homens de preto ou a série Futurama jamais existiriam. O grupo inglês Radiohead dedicou uma música ao robô deprimido Marvin, Android paranoid, mas Douglas Adams, o DNA, nem precisa ter uma estrela na calçada da fama de Hollywood. Já foi homenageado pelo Conselho Mundial de Astronomia com dois corpos celestes, o Arthurdent e o Asteroid Douglasadams. Como o Guia avisa, traga sempre uma toalha consigo e “NÃO ENTRE EM PÂNICO”.