A porta que separa o escritório do governador de São Paulo da ala residencial do Palácio dos Bandeirantes é enorme, daquelas duplas, em madeira de lei. É Cláudio Lembo quem a abre, em pessoa. “Entrem, entrem, aproveitem que ainda sou governador”, vai logo dizendo à reportagem de ISTOÉ. “Aproveitem, porque o Serra vem aí e não vai mais deixar ninguém entrar.” Lembo é cordial, educado com os convidados. Circula pelos salões construídos pelo conde Mattarazzo, exibe o mobiliário suntuoso. “Aqui parece o Copacabana Palace”, comenta. Passa por uma estante de livros antigos e raros. “São todos virgens, nunca foram lidos”, ironiza. “O palácio é muito bonito, mas daqui a cinco meses volto feliz para minha casa no Bexiga.” Cláudio Lembo é, definitivamente, um mandatário diferente. Enquanto a maior parte dos políticos ambiciona um dia governar o Estado mais rico e populoso do País, esse velho professor de filosofia do direito, 72 anos, sonha entregar o poder, em janeiro, para iniciar uma viagem à Itália com a mulher, Renéia. Ele se mudou para o Palácio em abril, com a saída do titular Geraldo Alckmin. “Virei governador por acidente de percurso, eu nem queria ser vice, eu queria mesmo era continuar com meus alunos”, diz. “Sou um bom constitucionalista, fui a vida inteira um professor.” Para sua surpresa, já nas primeiras semanas de mandato, Lembo enfrentou o desafio do PCC. “Eu não esperava por essa guerra e, pior, me deixaram sozinho”, queixa-se. “Sabem por que sou diferente?”, indaga Lembo. “Porque eu trouxe para o jogo público algo inusitado no Brasil, um político que diz a verdade.”

Cláudio Lembo senta-se à mesa de almoço. É servido carne de panela, arroz e quiche de queijo. Curioso que ele não tira o paletó dentro de casa;
nem o desabotoa. Ele repuxa as sobrancelhas e conduz a conversa para a crise do PCC. Quer falar de seu alvo predileto, a elite branca e bem-nascida. “Sabem por que estou sendo tão criticado?”, indaga. “Porque a burguesia não está mais conseguindo oferecer cocaína em baixelas de prata.” E explica: “Essa crise começou quando a polícia conseguiu interromper parte do fornecimento de drogas para a nossa elite. Prendemos 60 líderes do PCC e quebramos por um tempo a cadeia do tráfico. Aí todo mundo entrou em espasmos, o PCC ficou sem caixa e a elite sem cocaína.” Lembo larga os talheres e se exalta pela primeira vez. “O PCC reagiu tocando fogo na cidade e a burguesia veio aqui me exigir a Lei do Talião. Querem que eu mande a polícia executar todo mundo.” A voz se eleva. “Não dá, o PCC está usando adolescentes viciados nos ataques. A burguesia vai ter que mudar de atitude e começar a abrir a carteira para ajudar o Estado a resolver esse problema.” Segundo o governador, os cabeças do PCC estão quase todos presos, só restaram pés-de-chinelo. A crise está resolvida? “É claro que não!” E quando vai resolver? “Ora, não dá para sonhar, estamos fechando o cerco, mas um dia eles vão se recompor”.

A sobremesa é servida – torta de limão. Para Lembo, só frutas. Ele se alimenta como um asceta e se diverte como um eremita. Mora sozinho com a mulher no palácio. O lazer é vez por outra receber as três netas adolescentes para o almoço de domingo. O governador tinha dois filhos. O primogênito, Cláudio, morreu em 1999, aos 37 anos. “Foi erro médico”, acusa o pai. Desde então ele só usa gravatas pretas. Lembo quer voltar a falar da crise do PCC. E por que não aceita a oferta do presidente Lula de enviar a Força Nacional? “Para que, para brincar de americanos? Temos 147 mil policiais em São Paulo; o que vamos fazer com uns 100 homens do Acre? Eles vão se assustar com a cidade.” Irônico, cada vez mais irônico, acrescenta: “Só mesmo o Lula para ter uma idéia tonta dessa. Ele é o coveiro da esperança.” Lembo herdou do pai um bom sobrado no bairro italiano do Bixiga, mora lá há mais de 60 anos. Já se aposentou pelo INSS, como professor – R$ 2,8 mil mensais. Tem uma aposentadoria complementar de R$ 8 mil do Itaú. Foi ali, como advogado do banco e conselheiro político de Olavo Setúbal, que Lembo entrou para a vida pública. Agora quer terminar sua trajetória como professor de direito no Mackenzie, de onde saiu para ser vice-governador paulista. “Isso, se ainda me aceitarem de volta.”


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