Na cidade que foi um dos cenários da maior chacina já ocorrida no Rio de Janeiro, com 29 mortos, os grupos de extermínio são apenas parte de uma engrenagem maligna. Os matadores atuam em parceria com maus empresários e maus políticos, que loteiam a Baixada Fluminense em favor de suas negociatas. A conclusão é do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), que está frente a frente com a ousadia desses grupos. Ao tentar desmontar os feudos de negócios mafiosos que sugam o dinheiro público ou privatizam ilegalmente serviços municipais, Lindberg, 35 anos, já cortou a própria carne, fazendo mudanças em seu secretariado.

ISTOÉ – O que está por trás da chacina?
Lindberg Farias –
A chacina representou a reação de uma velha Baixada contrariada com mudanças que ocorreram na polícia, nos comandos dos batalhões, mas não só isso. Também há políticos incomodados com o novo momento da região. Eles têm relações com a política, com os negócios e com a polícia. Essa gente dominou a região por muito tempo. De uma hora para outra, houve uma mexida na política da Baixada e também nos comandos dos batalhões. A chacina foi um grito desse grupo, tentando impor limites, intimidar. Do início do ano para cá, minha equipe recebeu várias ameaças de morte porque estamos intervindo em assuntos importantes.

ISTOÉ – Qual foi a tentativa de intimidação mais recente?
Lindberg –
Na Secretaria de Saúde, recebemos várias. Na última semana, três funcionários, inclusive o próprio secretário, foram ameaçados de morte. Imaginamos que isso ocorra porque estamos mexendo em contratos absurdos das clínicas conveniadas com o SUS. Eram R$ 3,6 milhões mensais. Logo de cara cortamos R$ 1,1 milhão e estamos revendo outros processos. Havia clínicas que atendiam dez pessoas por dia e registravam 100. Outra exibia uma placa informando que não atendia pacientes do SUS, mas recebia do convênio.

ISTOÉ – E a máfia das funerárias, como funciona?
Lindberg –
Era um monopólio antigo da Funerária São Salvador. Nós combatemos primeiro o problema da remoção de corpos. Cobravam até R$ 800 pela remoção de um corpo para outro município. Era a única funerária a atuar no Hospital da Posse. Qualquer morte era transformada em acidente de trânsito por causa do seguro obrigatório. A própria funerária agilizava o seguro. Essa é uma área perigosa. Nosso pessoal no Hospital da Posse, quando começou a mexer nisso, recebeu avisos de que era melhor deixar como estava.

ISTOÉ – Vai intervir também nos transportes coletivos?
Lindberg –
A desordem era generalizada, em relação às Kombis, vans e ônibus. Nenhuma empresa de ônibus tem contrato com a prefeitura, elas não têm concessão. Tampouco pagam impostos, atuam na informalidade. A prefeitura não tem controle nenhum. Começamos um processo de cadastramento e regulamentação e já avisamos que isso tem de mudar, temos de fazer uma licitação. Coincidentemente, o secretário de Transportes foi outro ameaçado de morte.

ISTOÉ – O que está sendo feito quanto à compra de medicamentos?
Lindberg –
Vamos instituir a compra através do pregão eletrônico do Banco do Brasil. Até agora, vinha atuando uma máquina corruptora muito violenta. Havia todo tipo de caso, até o de fabricantes que ganhavam licitação, não entregavam os remédios e recebiam o dinheiro. Com a reorganização inicial, baixamos os valores de compra em 30% a 40%. Aí também houve ameaças.

ISTOÉ – Alguma ameaça foi dirigida diretamente ao sr.?
Lindberg –
Logo após minha eleição, registrei na polícia uma ameaça que fizeram à minha mulher, Maria Antonia. Ligaram para a minha casa intimidando a ela e a mim. Antes da chacina tinha mais tranqüilidade, achava que ninguém faria nada contra mim. Agora não tenho certeza, mas essas ameaças não me fazem titubear. Enfrentei esse problema da funerária quando estávamos em meio ao choque da chacina. Mas é claro que temos que ter muito cuidado.

ISTOÉ – Um caos tão grande pode ser ordenado?
Lindberg –
Não é possível ter uma cidade desse tamanho com 50% de esgoto a céu aberto e crianças com leptospirose. A gente constata que aqui existem matadores e dizemos que isso é coisa do passado e que temos de entrar em nova era. Mas nesse lugar não tem nada, nem posto de saúde, nem esgoto. Num lugar assim, qual polícia se criou? Instituiu-se uma permissividade social, esses “justiceiros” aparecem e conquistam espaço. No meio do abandono total, essa gente usa a lógica da segurança para impor o terror. Vários viraram prefeitos e vereadores.

ISTOÉ – Quanto seria necessário para mudar o cenário social?
Lindberg –
Não dá para falar em investimento social na Baixada que não seja algo em torno de US$ 200 milhões e não dá para falar de investimento em Nova Iguaçu que seja menor do que US$ 100 milhões. Estou tentando financiamento internacional e fazendo gestões junto ao governo federal. Aqui é preciso estabelecer regras mínimas, legalidade, respeito ao cidadão, fim do grupo de extermínio. Seria um exemplo para o Brasil de reorganização social, mais ou menos o que foi o governo Jorge Viana no Acre. Temos de tentar pacificar uma região que não é uma região qualquer, é a região metropolitana do Rio de Janeiro.