"Olha para a minha cara, vê se estou preocupado”, declarou o presidente Lula
pouco antes de embarcar para a Coréia do
Sul e o Japão, onde fica até sábado 28. No entanto, por trás da expressão sorridente em quase toda a viagem à Ásia, havia uma enorme preocupação. No Brasil, deixou ordem para que tudo fosse feito para barrar a instalação da CPI destinada a apurar denúncias de corrupção nos Correios e o envolvimento do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), nas negociatas. Valeu de tudo: ameaça de perda de cargos, oferta de empregos, promessas de liberação de emendas, apelos desesperados. Não adiantou. O governo conseguiu 75 desistências, quando precisava de 84. Diante do novo fracasso, no seu retorno Lula deve tentar rearrumar a base de apoio no Congresso. Ao longo da semana, o ministro José Dirceu confidenciou a alguns interlocutores que o presidente pretende retomar a reforma ministerial. Ninguém se arrisca a antecipar o ministério que está na cabeça de Lula, mas, se depender das pressões de setores do PT e do PMDB, a mudança será ampla.

Mea-culpa – Antes de embarcar, Lula ouviu o mesmo diagnóstico dos mais variados aliados, entre eles o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), o ex-presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o atual presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). A crise na base, gravíssima, é resultado de dois anos de desorganização, falta de interesse na interlocução com o Congresso e desrespeito a acordos com os aliados. Na quarta-feira 25, Mercadante já fazia o mea-culpa. “Essa é uma crise pré-anunciada. O governo não tem olhado para o Congresso como deveria. Os partidos têm de participar mais do governo. O Parlamento não pode ser importante para os ministros só quando têm algum projeto para aprovar”, criticou.

Ao confirmar a derrota pouco antes da meia-noite de quarta-feira, quando expirava o prazo para a retirada de assinaturas do requerimento de criação da CPI, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), botou a culpa na esquerda do próprio PT. Se nove dos 14 deputados do partido tivessem atendido às súplicas da direção, a CPI estaria enterrada. “É lamentável que o PT mais uma vez tenha derrotado o governo”, disse. O governo também teve problemas para retirar assinaturas do PMDB. Houve até uma tentativa de negociação com o rival Anthony Garotinho, dono de 26 votos dentro do partido. Em vão. Agora, o governo se prepara para novas batalhas. Primeiro, tentará barrar a CPI na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde tramita um recurso petista alegando que ela não tem “fato determinado”. Se a estratégia não vingar, tentará empastelar as reuniões da comissão com a falta de quórum, valendo-se da maioria de votos. A orientação do Palácio do Planalto é que os líderes aliados só indiquem para integrar a comissão parlamentares com fidelidade canina ao governo. A oposição, que na sessão de abertura da CPI tripudiou com o passado petista, comemorou. Agora tentará conduzir as investigações para nomes ligados a Lula, entre eles o secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, e o tesoureiro, Delúbio Soares, mirando o golpe no coração do presidente. Na mídia, a disputa PSDB-PT já está aberta. Na terça-feira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comparou a administração de Lula a “um peru bêbado em dia de Carnaval”.

A falta de controle do PT sobre o PT é um dos sérios problemas do governo na sua coordenação política, mas certamente não é o único. Outro motivo apontado para o inacreditável desgaste acumulado junto à base é a demora na liberação de verbas e de cargos para os indicados de outros partidos. “Quando um cargo é do PT, é difícil. O Zé Dirceu diz que está liberado, mas ele simplesmente não sai”, disse a ISTOÉ um ministro aliado. Mesmo agora, no fundo do poço, o governo parece disposto a bancar mais trombadas. No mesmo dia em que suava a camisa para barrar a CPI, descumpria mais um acerto fechado no Senado, em torno do sucessor do atual procurador-geral da República, Cláudio Fonteles. Estava acordado que o escolhido seria o subprocurador Eitel Santiago de Brito Pereira, preferido do PMDB, mas Lula e seu ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, preferem o indicado de Fonteles, o atual vice-procurador-geral, Antônio Fernando Barros e Silva. O revés em torno de Eitel foi um dos motivos da irritação de Renan ao presidir a sessão que criou a CPI. Agora, o Planalto tenta reduzir o estrago divulgando a avaliação de que o episódio ajudou a mostrar que, ao conseguir reunir quase todos os votos necessários para enterrar a comissão, sua base não está tão esfarrapada assim. O episódio ajudou a reuni-la. De fato, a base voltou a trabalhar, o que é um alento. Mas, até a reeleição, a guerra é longa.