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COMOÇÃO
Cerca de 200 pessoas podem ter perdido a vida sob toneladas de lixo decomposto
e lama que desceram como uma avalanche na quarta-feira 7

Em meio ao trabalho de busca de vítimas no desmoronamento do Morro do Bumba, em Niterói, na quinta-feira 8, o nome do local de atuação das equipes de resgate ganhou um sentido tristemente irônico: Estrada Viçoso Jardim. Nada lembrava flores viçosas na impressionante massa negra de toneladas de lama e detritos que soterrara cerca de 60 casas e, estima-se, 200 pessoas, na noite anterior. Era gente que morava sobre um vazadouro de lixo desativado em 1981. Não deveria haver casas ali, mas, clandestinamente, várias famílias foram se instalando sobre o antigo lixão criado na década de 60 e, aos poucos, a favela cresceu e acabou sendo reconhecida pelo poder público: recebeu abastecimento de água, energia elétrica, escolas e creches. “Moro nesse lugar desde que começou a ser ocupado, sabia que havia um lixão nessa área, mas não tinha ideia do perigo”, diz Adriana Assis, 36 anos, que se salvou de ser tragada pela avalanche de terra e detritos porque parou alguns minutos para conversar pelo telefone com o namorado, Izaías Cruz. Neste exato momento, pouco antes de 21 horas da quarta-feira 7, ocorreu o desmoronamento e uma sequência de explosões causadas pelo metano exalado do lixo em decomposição. Várias casas e pessoas foram soterradas.

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O Morro do Bumba, que nem sequer estava na lista de locais de risco da Prefeitura de Niterói, é emblemático. De forma trágica, tornou-se o símbolo do descaso do poder público com as ocupações irregulares no Brasil. “Até então, nunca se cogitou tirar aquelas pessoas dali”, admite o prefeito Jorge Roberto Silveira (PDT). Não se entende tal omissão, já que seu antecessor, Godofredo Pinto, encomendou um estudo à Universidade Federal Fluminense, que diagnosticou a possibilidade da tragédia. Nada foi feito. Da pior forma, a imprudência da população e do poder público cobrou seu preço. “Meu primo morreu soterrado quando estava na igreja. Agora estou procurando minha mãe”, explicava, desorientado, o comerciário Valdeir Fonseca, 38 anos, sem se dar conta de que antes mesmo das chuvas da semana passada ele já vivia a tragédia de ter sua casa construída sobre um aterro sanitário.

Além das dezenas de casas, havia uma igreja evangélica, uma pizzaria, um salão de cabeleireiros e uma creche – onde estavam 20 crianças no momento da tragédia e da qual apenas uma foi resgatada viva. Os moradores tinham as vantagens e desvantagens de qualquer favela: não pagavam IPTU e tinham que conviver com o tráfico de drogas. Da pior forma possível, a comunidade descobriu a gravidade do risco que corria ali. “Meu filho, minha mãe e meu avô estão dentro da minha casa que foi soterrada”, dizia aos prantos Sabrina Carvalho, 27 anos. Ela ouviu um barulho na rua e saiu para ver o que tinha ocorrido. Enquanto isso, às suas costas, a avalanche de lama encobriu seu imóvel. O outro filho, Cauã, de 7 meses, e uma tia se salvaram com poucos arranhões.

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A ocorrência no Morro do Bumba é o ápice do drama vivido pelos moradores de Niterói nos últimos dias. Contabilizando 60 locais com desabamentos e 111 mortos (até o início da tarde de sexta-feira), a cidade foi a mais castigada pelo aguaceiro que desabou sobre o Rio de Janeiro durante a semana, e a prefeitura declarou calamidade pública. Da verba repassada pelo governo federal para ajudar as áreas atingidas, o governador Sérgio Cabral destinará a Niterói R$ 35 milhões.

Mas essa tarefa não será fácil. Mesmo diante da tragédia consumada, vários deles resistiram em deixar suas casas. Foi assim com o aposentado Luiz Antonio Azevedo, 57 anos, sua mulher, Dejaíra, 55, e seus dois filhos. O desmoronamento parou praticamente na porta do imóvel da família e onde antes havia uma pequena varanda hoje existe um penhasco. “Por mim continuava na casa”, lamentou Azevedo. E explicou a obstinação em permanecer no lugar onde morava havia 15 anos: “Tive infarto, já morri uma vez, não tenho mais medo da morte.” O aposentado, sua mulher e seus filhos acabaram saindo do morro para ficar, provisoriamente, na casa de parentes.

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Cabe ao Estado, agora, aprender com as tristes histórias que vêm à tona a cada tonelada de lixo retirada dali e evitar que novas tragédias como essa aconteçam. Mais do que retirar a população que ocupa áreas tão degradadas como um aterro sanitário, o poder público precisa, de forma urgente, evitar que elas cheguem ali. Até agora o que se viu, como no Morro do Bumba, é o Estado não apenas ser leniente em relação às ocupações irregulares, mas referendá-las.

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Colaborou Wilson Aquino