FOTOS: CENDOC/AERONÁUTICA

GLÓRIA E MORTE Santos Dumont transportando a 19ª versão do Demoiselle, nos arredores de Paris, em 1907

Há um século, Alberto Santos Dumont atraía a atenção do mundo: num campo da cidade de Saint – Cyr, nos arredores de Paris, o brasileiro alçava aos ares o modelo n° 19 do Demoiselle, num vôo de 200 metros. O fato se deu no dia 16 de novembro de 1907. No ano anterior, pilotando o 14 Bis, ele entrara para a história ao provar que o homem pode voar – com o Demoiselle, descobriu como se manter no ar. O centenário dessa conquista é o tema da exposição Passo a passo, salto a salto, vôo a vôo: o cientista Santos Dumont, no Museu de Astronomia e Ciências Afins, no Rio de Janeiro. No acervo há fotos, recortes de jornais da época, réplicas das máquinas voadoras criadas por ele. “Em um pequeno espaço é possível ter idéia de sua intensa produção em dez anos”, diz o físico Henrique Lins de Barros, curador da mostra. Entre os documentos destaca-se o atestado de óbito do inventor: ele se suicidou enforcando- se com uma gravata, mas está registrado que morreu de “colapso cardíaco” em julho de 1932. Tão falsa quanto essa causa mortis é a alegação de que teria se matado por desgosto com o uso bélico dos aviões. “Quiseram transformá-lo em ‘Santo’ Dumont”, diz Lins de Barros.

Certidão de órbito: o suicídio virou oficialmente um “colapso cardíaco” para não desmontar o mito

Em sua avaliação, a intenção do governo Getúlio Vargas (1930 a 1937 e 1950 a 1954) era fazer de Santos Dumont um herói. O suicídio poderia passar a idéia de que o Brasil não cuidava bem de seus expoentes, já que ele era um cientista de fama internacional. Além disso, teoriza Lins de Barros, o período getulista era propício à fabricação de heróis e um suicídio poderia desmontar o mito. “Então, criouse a lenda de que Santos Dumont não suportou ver seu invento usado para a guerra”, diz o curador. Para refutar essa versão, ele lembra que o inventor chegou a saudar os militares franceses que participaram da Primeira Guerra Mundial por terem usado aeronaves para restabelecer a paz. E teria repetido tal comportamento em diversas outras oportunidades. O motivo real do suicídio teria a ver com seu estado psíquico. Nos últimos tempos, Santos Dumont mostrou sinais de depressão e angústia. Um dos documentos expostos no Museu de Astronomia é justamente um comprovante de sua consulta com o psiquiatra Juliano Moreira, que é considerado o introdutor dessa especialidade médica no Brasil.

CONTRADIÇÃO O acelerado ritmo de criação de Santos Dumont não parecia o de alguém deprimido. Mas ele se consultou com o introdutor da psiquiatria no Brasil

Cogita-se de que ele sofresse de esclerose múltipla ou transtorno bipolar, males ainda não identificados na época. A mostra também questiona a propalada homossexualidade do inventor. Nos recortes de jornais colecionados pelo próprio Santos Dumont, ele aparece de mãos dadas com uma mulher que seria sua noiva, a americana Edna Powers. Há registros de outras duas supostas noivas. “Essa idéia surgiu porque ele se dedicava completamente ao trabalho e por um período não teve tempo para relacionamentos pessoais”, diz o pesquisador. “Os Irmãos Wright (americanos que disputaram com o brasileiro a paternidade do avião) também não casaram e nem por isso se diz que eles eram gays.” Além de documentos que servem de combustível para polêmicas, a exposição tem papéis que simplesmente homenageiam esse brasileiro brilhante. Um deles é um postal manuscrito com os dizeres: “Para Santos Dumont, pioneiro da navegação aérea.” É o reconhecimento de um gênio a outro gênio. A assinatura é de Thomas A. Edison, o inventor da lâmpada elétrica.

CRIAÇÃO O Pai da Aviação montando a maquete de um dirigível: o excesso de trabalho teria prejudicado a sua vida afetiva