Os prejuízos dos bancos e dos investidores com o crédito imobiliário podem superar US$ 400 bilhões

Há algo de podre no reino de George W. Bush. Praticamente oito em cada dez americanos acreditam que a economia dos Estados Unidos está piorando. Mais da metade da população está convencida de que não é um bom momento para procurar um bom emprego. Somente 27% classificam a condição econômica atual como "ótima ou boa", enquanto 73% avaliam como "razoável ou ruim". É o pior nível de pessimismo desde que o instituto Gallup começou essa pesquisa, em 1991. Nero, aquele que pôs fogo em Roma, não faria melhor. Bush Filho bateu o recorde de Bush Pai, de janeiro de 1992, quando 71% dos americanos achavam que a maior economia do planeta estava indo de mal a pior. Naquela época, o fiasco custou ao patriarca da família Bush a chance de disputar a reeleição.

O atual presidente já deu esse passo. Agora, tenta convencer os eleitores de que a economia vai bem, apesar dos sinais de que a recessão está a caminho.

Na quinta-feira 29, a Casa Branca apresentou previsões bastante otimistas para 2008. O presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Bush, Edward Lazear, previu que o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de produtos e serviços) deverá crescer 2,7% em 2008. "Isso é crescimento bom e sólido", afirmou. Sua previsão anterior era de um número mais robusto, de 3,1%. Mas a nova cifra ainda está muito acima das contas feitas pelo próprio banco central americano, o Fed, e a grande maioria dos analistas econômicos do setor privado. Para o Fed, o país deverá crescer entre 1,8% e 2,5% no ano que vem. O Fundo Monetário Internacional (FMI) arrisca 1,9%. A realidade, se os preços do petróleo romperem a casa dos US$ 100 o barril, pode ser mais sombria.

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Como diz o economista Paul Krugman, um dos mais ácidos críticos de Bush, se o governo mente quando justifica atos geopolíticos insustentáveis – até hoje não apareceram as armas de destruição em massa do Iraque -, é bem provável que esteja mentindo em outras áreas, como a economia. Se as coisas estivessem tão bem, por que os consumidores, a mola propulsora do país (respondem por 70% do PIB), estão tão pessimistas? Talvez estejam percebendo tardiamente os erros da política econômica de Bush. Mais do que isso, estão sentindo na prática o custo de medidas equivocadas, que transformaram em déficit público o superávit nas contas públicas herdado de Bill Clinton, fizeram o dólar despencar diante das outras moedas fortes mundiais e colocaram os Estados Unidos na rabeira do crescimento global, atrás da China e da Índia, as novas locomotivas econômicas do planeta.

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DIAS PIORES VIRÃO Para Krugman (à cima), um novo Clinton na Casa Branca não garante a volta do crescimento; Greenspan prevê queda maior dos imóveis

Enquanto os Estados Unidos afundam, o mundo deverá crescer 5% em 2008, puxado pelos países emergentes. "A política econômica do governo Bush é irresponsável", afirma o ex-presidente da consultoria americana Ernst & Young na América Latina, Julio Cezar Cardoso. "Falta credibilidade ao presidente, que tomou todas as decisões erradas." E quais foram os passos em falso de Bush? Cardozo enumera alguns: a invasão do Iraque (o custo já superou US$ 400 bilhões desde 2003), a redução da carga tributária para beneficiar os mais ricos, a falha em lidar com a crise imobiliária de maneira estrutural e o fracasso em pressionar a China para desvalorizar sua moeda, o yuan. "Bush aumentou o déficit público e diminuiu os impostos. Mas o mundo não vai mais financiar o desequilíbrio fiscal americano", diz.

O maior sintoma do declínio do império americano sob a gestão de Bush é a redução da sua relevância econômica no cenário internacional. Desde 2000, a participação dos Estados Unidos nas importações mundiais decresceu de 19% para 14%. Seu enorme déficit comercial (US$ 805 bilhões nos últimos 12 meses) começou a encolher, mostrando que o país não está mais puxando o crescimento no resto do mundo como no passado. E o dólar perde força: este ano, já recuou 11% diante do euro, 9% ante o iene e 15,5% em relação ao real, o que encarece os produtos importados. Os custos de comida, transporte e saúde estão casa vez mais pesados para o trabalhador comum, o que em parte justifica o pessimismo da população. Este ano, o custo do peru no feriado de Ação de Graças cresceu 11% em relação a 2007. Mas é a implosão do mercado imobiliário o fator que mais pesa no bolso do consumidor.

As vendas e os preços dos imóveis desabaram nos últimos meses, deixando uma massa de endividados – muitos surfaram no crédito fácil e usaram as casas para levantar dinheiro no mercado financeiro e agora não têm como honrar os empréstimos – e uma pilha de micos nas mesas dos gerentes dos bancos. O estouro da bolha imobiliária deverá causar prejuízos da ordem de US$ 400 bilhões aos bancos e aos investidores que aplicaram em papéis lastreados nos empréstimos imobiliários de alto risco, segundo estimativas do Deutsch Bank. A tragédia financeira, que não foi evitada pelo governo, apesar dos sinais de que estava a caminho, custou a cabeça dos mais altos executivos do Citibank e do Merrill Lynch. E essa situação pode piorar ainda mais. "Os mercados estão percebendo que a queda dos preços das residências não vai parar", afirmou o ex-presidente do Fed Alan Greenspan, no domingo 25.

Em outubro, o preço médio das casas novas despencou US$ 218 mil. É a pior contração desde 1970. As vendas de residências novas caíram 23,5% em 12 meses. O governo Bush tenta minimizar o impacto da tragédia imobiliária na opinião pública, de olho nas próximas eleições presidenciais. Mas o estrago está feito. "Com certeza, as lembranças do quanto a economia era melhor com Bill Clinton serão uma forte vantagem política para os democratas no ano que vem", escreveu Paul Krugman no The New York Times. Se Hillary Clinton vencer a corrida pela indicação do Partido Democrata à sucessão de Bush, passar no teste das urnas e sentarse no Salão Oval, terá tempos difíceis pela frente. "Simplesmente colocar outro Clinton, ou qualquer democrata, na Casa Branca não é garantia de que os bons tempos voltarão", diz Krugman. O Império Romano, ensina a história, não prevaleceu. Queimado por Bush, o americano segue o mesmo destino.