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Deu no YouTube. No dia 23 de janeiro, o Vaticano lançou oficialmente seu canal na página de vídeos que é sucesso de audiência entre o público jovem. Na tela, um amistoso papa Bento XVI saudou os internautas. Parecia que, finalmente, Joseph Ratzinger, um dos pilares intelectuais do conservadorismo da Igreja Católica desde a segunda metade do século XX, havia se rendido aos ventos da modernidade. Mas, no dia seguinte, o pontífice alemão tomou uma atitude diametralmente oposta – ao menos simbolicamente. Numa das ações mais controversas de seu pontificado, iniciado em 2005, ele reintegrou à Igreja quatro bispos ultraconservadores excomungados há 20 anos pelo papa João Paulo II por se posicionarem contra as determinações do Concílio Vaticano II (1962-1965) e ordenarem religiosos sem a autorização da Santa Sé. Um dia depois da avant-première virtual, ficou claro que a adequação aos novos tempos estaria restrita apenas ao formato da mídia.

Os excomungados, seguidores do arcebispo francês Marcel Lefebvre, criaram em 1970 a Fraternidade São Pio X, entidade não reconhecida pela Santa Sé que condena o ecumenismo e a liberdade religiosa defendidos pelo Concílio Vaticano II e age em defesa da manutenção dos rituais tridentinos, com missas em latim e celebrações sem participação do público. Um dos reintegrados é o britânico Richard Williamson, que negou a existência do Holocausto e ajudou a arranhar a imagem da Igreja Católica, principalmente quando associada à tentativa recente de Bento XVI de santificar o papa Pio XII, acusado de fazer vista grossa à perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

Pesquisadores acreditam que a intenção do papa com a reintegração dos bispos é conquistar paróquias de cunho conservador na França, Suíça, Alemanha e Argentina, simpáticas à Fraternidade São Pio X. A ideia seria evitar uma dissidência interna na Igreja Católica, que, tradicionalmente, busca a unificação. "É uma forma de trazer essas comunidades de volta ao domínio do Vaticano", reflete o padre José Oscar Beozzo. Se nos tempos de João Paulo II a condição fundamental para o retorno dos radicais à Igreja era a aceitação integral do Concílio Vaticano II, com Bento XVI foi a Santa Sé que fez concessões. "Se os fiéis quiserem a missa em latim, o bispo terá que oferecê-la. É um retrocesso, mas acomoda todos os grupos", avalia Beozzo.

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PERDÃO Bento XVI
trouxe de volta à Igreja os seguidores
do arcebispo Marcel Lefebvre (foto menor),
excomungado por João Paulo II

Outros teólogos defendem que a condescendência papal é parte de uma estratégia que reafirma os pressupostos fundamentais católicos, garantindo o poder do Vaticano num momento de intensa pluralidade de ideias. "Os conservadores não perturbam o conjunto da doutrina, apenas questionam métodos litúrgicos", analisa o jesuíta João Batista Libanio. Mas onde entra o YouTube nessa política eclesial conservadora? "O canal não é uma grande transcendência, é apenas mais um formato", diz Beozzo. "Não há nenhuma contradição entre a internet e o comportamento do papa. Pelo contrário. É uma forma muito eficaz de reafirmar as ideias conservadoras da Igreja", complementa Libanio.