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NO SÍTIO Fora do governo, Mares Guia contrata advogados para salvar sua empresa

Desde que ISTOÉ revelou com exclusividade, em setembro, os documentos do Mensalão Mineiro, até deixar o governo, há duas semanas, acusado pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, de ter cometido os crimes de peculato e lavagem de dinheiro, o ex-ministro das Relações Institucionais Walfrido dos Mares Guia adotava um único discurso. Dizia que não teve nenhuma participação no esquema ilegal de arrecadação de dinheiro para irrigar a fracassada campanha de reeleição de Eduardo Azeredo (PSDB) ao governo de Minas Gerais, em 1998. Na última semana, ISTOÉ teve acesso a uma série de documentos bancários que não só confirmam a presença do ex-ministro no Mensalão Tucano como levantam indícios de sua participação no Mensalão do PT. A papelada revela que a Samos Participações, empresa de Mares Guia, destinou irregularmente cerca de R$ 16 milhões para campanhas políticas em 2002, 2004 e 2006, anos em que o PTB de Mares Guia participou das disputas eleitorais aliado ao PT (em 2002, apenas no segundo turno). Esses documentos formam uma pilha com cerca de 15 centímetros de altura e são, agora, investigados por uma força-tarefa que inclui a Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público Federal.

A Receita descobriu que, entre 2002 e 2005, o caixa da Samos movimentou, em dinheiro, R$ 40,7 milhões. Essa quantia representa 22 vezes o valor declarado ao Fisco. No Banco Central, foram rastreados R$ 32,5 milhões entre 2002 e 2006, em 269 operações através de quatro diferentes bancos – American Express Bank, Banco Rural, BNP Paribas e Banco Fibra. Ao examinar com lupa as contas da Samos, o Ministério Público e a Polícia Federal constataram que nas quatro contas bancárias da empresa foram depositados R$ 16,4 milhões. Desses, R$ 7,1 milhões são provenientes de um tal "FIF BNP Paribas Red". Trata-se, de acordo com a PF, de um fundo de investimentos que Mares Guia mantém no Exterior, administrado pelo antigo Banque Nationale de Paris (BNP), hoje fundido com o banco francês Paribas. Entre 2002 e 2006, quase todo o dinheiro que entrou nas contas da Samos acabou saindo no mesmo dia, muitos com saques feitos na boca do caixa.

São várias operações com grandes somas, a maior delas de R$ 5 milhões. As menores variam entre R$ 10 mil e R$ 50 mil. Os valores são quase todos arredondados: R$ 100 mil, R$ 200 mil e, principalmente, R$ 30 mil – a cifra simbolo do Mensalão Federal. Muitas vezes o dinheiro era destinado ao próprio Mares Guia, para sua esposa – Sheila Emrich dos Mares Guia, sócia minoritária na Samos – e para outras contas da própria Samos. Há, no entanto, alguns beneficiados que chamaram a atenção da força-tarefa. Em 17 de julho de 2002, a Samos pagou R$ 122 mil para a Táxi Aéreo Pinhal. A Polícia Federal está investigando para saber se a empresa foi usada durante as campanhas eleitorais. Há, também, o caso de dois assessores de Mares Guia que receberam dinheiro. Em setembro de 2002, Reinaldo Landulfo Teixeira recebeu R$ 100 mil. No mês seguinte, mais R$ 17 mil. Em 2004, Landulfo foi eleito prefeito de Capitão Enéas, Minas, pelo PTB de Mares Guia. Na terça-feira 27, ele admitiu à ISTOÉ que recebeu o dinheiro: "Não sei se foi dinheiro de campanha, creio que não", diz. Outro que recebeu R$ 100 mil durante a campanha de 2002 é Antônio Eduardo Martins. Em 2004, foi eleito prefeito de Santa Bárbara, Minas, também pelo PTB. Na terça-feira, ele se recusou a falar sobre o assunto. Agora, a força-tarefa tenta descobrir quais são os demais beneficiados.

Os documentos bancários revelam que o dinheiro distribuído por Mares Guia veio basicamente de um fundo no Exterior administrado pelo BNP Paribas, mas não indicam quem fez os depósitos nesse fundo. Os técnicos da Receita e do Banco Central suspeitam que Mares Guia tenha utilizado a Samos para internar dinheiro do Exterior e, na seqüência, usá-lo em campanhas eleitorais. Com base nessas operações, a Polícia Federal e o Ministério Público solicitaram ao ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, o rastreamento completo das movimentações da Samos. Os primeiros resultados dessa devassa, guardados pelo procurador- geral, Antonio Fernando de Souza, revelam fortes indícios de utilização de caixa 2, remessa ilegal de recursos para o Exterior e sonegação fiscal. A devassa mostra também que grande parte dos recursos transferidos pela Samos para Mares Guia e suas outras empresas acabou sendo sacada, em dinheiro vivo, na boca do caixa.

"Ainda há muito a ser apurado", diz uma autoridade que participa das investigações. "Mas há fortes indícios de que esse esquema pode ser um novo braço do esquema montado por Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT)." O curioso é que a participação da empresa de Mares Guia nos financiamentos ilegais de campanhas políticas só foi descoberta a partir do Mensalão do PT. Em 2005, quando foi quebrado o sigilo bancário do empresário Marcos Valério, da SMP&B, descobriu- se que no dia 26 de setembro de 2002 ele recebera R$ 507 mil em sua conta pessoal no Banco Rural de uma empresa chamada Samos, à época absolutamente desconhecida. Chamado pela PF para se explicar, Mares Guia disse que a Samos depositou o dinheiro para Marcos Valério a fim de quitar uma dívida da campanha de 1998 do seu amigo Eduardo Azeredo, então candidato a governador. O desdobramento dessa investigação levou à descoberta do Mensalão Mineiro.

O ex-ministro ganhou musculatura política e eleitoral a partir de 1998, quando encerrou o mandato de vice-governador de Minas Gerais para se eleger deputado federal pelo PTB. Apoiou Lula no segundo turno e, com a vitória do petista em 2002, virou ministro do Turismo no ano seguinte. Em menos de três anos, acabou ocupando o lugar que já fora do poderoso José Dirceu – abatido na denúncia do Mensalão Federal – na articulação política do governo.Mares Guia praticamente encerrou sua carreira política ao deixar o governo após a denúncia do procurador- geral, acusado de lavagem de dinheiro e peculato.

Mas seus problemas não se limitam à política. Ele sabe que a devassa nas empresas poderá aniquilar sua vida empresarial. Para resistir, Mares Guia montou um bunker em Belo Horizonte, na sede do Pitágoras, terceiro maior grupo educacional do País, com 594 escolas e R$ 370 milhões em caixa para expandir. Contratou um time de advogados, liderados por José Eduardo Alckmin, de Brasília, e Arnaldo Malheiros Filho, de São Paulo, e mantém uma assessoria de imprensa e "gerenciamento de crises".

No início da semana, o ex-ministro pediu socorro político aos aliados de Brasília. Procurou o presidente Lula. Quem o atendeu foi o chefe de gabinete, Gilberto Carvalho. Mares Guia reclamou da "blitz" nas suas empresas. O ex-ministro utilizou essa expressão, "blitz". Mais tarde, numa conversa com aliados, Lula manifestou solidariedade ao ex-ministro. "Estou muito preocupado com a situação do Walfrido", disse Lula a um interlocutor. O presidente, no entanto, não falou pessoalmente com o antigo ministro.

Colaborou Sérgio Pardellas