LULA NO JOGO Presidente entra no corpo a corpo com os senadores

Na segunda-feira 26, durante a reunião do seu conselho político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela primeira vez pensou seriamente na hipótese de governar com R$ 40 bilhões a menos no cofre. Na reunião, Lula e seus assessores fizeram as contas e concluíram que é real o risco de não ser aprovada a emenda que prorroga a CPMF, o imposto que recolhe 0,38% de todas as transações bancárias. Uma sucessão de problemas, desde a crise desencadeada pelas denúncias contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) até a denúncia do Ministério Público sobre o Mensalão Mineiro que depôs da coordenação política o ex-ministro das Relações Institucionais Walfrido dos Mares Guia, tornou mais precária a já encolhida maioria do governo no Senado. Os cálculos fechavam apenas 42 votos seguros a favor da prorrogação. A soma de outros senadores que, na negociação, poderiam fluir para o lado do governo levava o placar para 48. Ainda não era o suficiente. Para que a prorrogação seja aprovada, a emenda precisa ter, nos dois turnos de votação, pelo menos 49 votos.


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Lula estabeleceu, então, uma estratégia com duas vertentes. Na primeira, resolveu mergulhar de cabeça na articulação para aprovar a prorrogação do imposto do cheque. Lula emprestaria a sua própria imagem e credibilidade perante a opinião pública para tentar ganhar o apoio da sociedade e pressionar o Senado. O governo chegou a oferecer uma entrevista do presidente às emissoras de tevê. A Globo recusou a oferta. Lula falou à Bandeirantes. Ao mesmo tempo, era montada um “sala de situação” só para cuidar da CPMF, integrada pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, pelos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, e pelos líderes no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), e no Congresso, Roseana Sarney (PMDB-MA). A ordem era radicalizar no toma-ládá- cá. Todas as barganhas e pedidos possíveis deveriam ser atendidos.

De acordo com levantamento feito pela assessoria do DEM no Senado, o governo já empenhou (reservou para liberação posterior) R$ 500 milhões para o pagamento de emendas ao Orçamento. É mais que o dobro da média dos dez meses anteriores – R$ 212,4 milhões. Ainda na tentativa de dobrar a oposição e beliscar ali alguns votos, privilegiaram-se Estados governados pelo PSDB. Das dez bancadas que mais tiveram empenho, cinco são de Estados administrados pelos tucanos: Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Roraima e Alagoas. Somente para Minas reservaram-se R$ 86,4 milhões. Na quinta-feira 29, o governador Aécio Neves ainda deixava aberta uma porta de negociação: “Temos que ficar atentos à possibilidade de uma outra proposta do governo; é preciso que o governo decida se efetivamente quer fazer gestos claros”, disse ele.

O atropelo em busca dos votos chegou a provocar constrangimentos. O senador Geraldo Mesquita (PMDBAC), indignado, subiu à tribuna para denunciar que o assessor da Presidência, Marcos Lima, chegou a procurálo oferecendo vantagem na liberação de emendas em troca do seu voto. “É um assédio imoral, porque nunca antes esse sujeito me procurou na vida”, reagiu Mesquita. Apesar da indignação, porém, o governo acredita que, ao final, poderá contar com o voto de Mesquita. A negociação também passa pela absolvição de Renan no segundo processo de cassação contra ele, que será votado no plenário na terça-feira 4.

Paralelamente, embora não admita publicamente, Lula e seu governo começaram a traçar o plano B: o que fazer caso venha a faltar a CPMF. Em resumo: compensar a perda aumentando outros impostos e determinando cortes em setores que o governo considera menos prioritários. Foi suspenso o envio para o Congresso de um projeto que desoneraria o PIS, a Cofins e o IPI para as indústrias, num total de R$ 6 bilhões. Como Lula enxerga no empresariado, especialmente na Fiesp, um dos lobbies mais fortes contra o imposto, a sua intenção é fazer punir os empresários, caso lhe falte o imposto do cheque. Mudanças de alíquotas que Lula poderia fazer por medida provisória, inclusive no Imposto de Renda, também entrariam na conta. O arrocho viria com o adiamento de reajuste de salários para o funcionalismo público e com uma revisão da meta de superávit primário no ano que vem. A ordem: preservar a todo custo os programas sociais e as obras de investimentos do PAC. “Eles acham que vão paralisar o meu governo, que vão me deixar sem condição de tocar os meus projetos. Vão quebrar a cara”, disse Lula na reunião de segunda-feira.

Ao mesmo tempo, começou-se a construir um discurso que serve tanto para pressionar a aprovação da CPMF como para atacar a oposição no caso de uma derrota. O Ministério da Fazenda preparou uma cartilha que mostra para onde vão os recursos do imposto, que setores e programas ficam comprometidos sem ele (leia quadro). Além da saúde e dos programas do Bolsa Família, o que os quadros mostram é que boa parte do prejuízo afeta contas dos Estados e dos municípios. No caso das cidades, porque 78% da parcela destinada à saúde vai para o programa Atenção à Saúde da População nos Municípios. No caso dos Estados, porque há um alto valor de recursos diretamente repassados para eles. Que ajudam a explicar o empenho dos governadores Aécio e José Serra, de São Paulo, na manutenção da CPMF: juntos, eles ficam com 37,95% dos repasses. O que Lula já começou a fazer é jogar sobre a oposição a responsabilidade pelos eventuais prejuízos da falta do imposto. “O que se fará, caso não haja o imposto, é dizer à população que determinada obra ou investimento deixou de ser feita porque o senador fulano, da oposição no seu Estado, impediu votando contra a CPMF”, adianta um assessor do presidente. Na quinta-feira 29, no Espírito Santo, Lula já provocou o DEM nesse sentido. “O PFL (o antigo nome do DEM) torce todo santo dia para as coisas não darem certo porque eles governaram 500 anos e não conseguiram fazer o que o País queria que fosse feito”, atacou Lula.

Obter os votos necessários para aprovar a emenda não é o único problema do governo hoje. Há também uma corrida contra o tempo. Na avaliação do líder do governo no Senado e relator da CPMF, Romero Jucá, esse talvez seja o risco maior. Para ele, a oposição não deseja de fato extinguir a CPMF, mas fazer com que o governo perca dinheiro por um tempo. Se a emenda não for aprovada até o final do ano, fica submetida à regra da noventena, que impediria a arrecadação por 90 dias. O risco é real.