Todos se declaram lulistas de carteirinha. Todos apóiam o governo. Somente a característica de profunda divisão interna e de pesada guerra de bastidores, portanto, pode explicar por que, então, haverá nada menos que sete diferentes candidatos disputando, no domingo 2, a presidência do PT. Na briga pelos cargos do Diretório Nacional, a competição é ainda maior: nove chapas. De fato, quatro nomes estão efetivamente no páreo: o atual presidente, Ricardo Berzoini (PT-SP), os deputados federais Jilmar Tatto (PT-SP) e José Eduardo Cardozo (PT-SP), e o secretário de Relações Internacionais do partido, Valter Pomar. Em jogo, além do comando do PT, o futuro da relação do partido com o governo e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Das urnas, emergirá a nova correlação de forças internas da qual Lula poderá dispor para acompanhá-lo até o fim do mandato e na hora de definir quem será o candidato da coalizão governista às eleições presidenciais de 2010. Dependendo de quem vencer a disputa para o comando da legenda da estrela rubra, o tamanho da briga entre Lula e o PT em torno da indicação do candidato à sua sucessão será maior ou menor.

O nome do coração de Lula para presidir o partido era o de Marco Aurélio Garcia, seu assessor para Assuntos Internacionais, cuja candidatura foi implodida no nascedouro graças à ação de setores do PT paulista ligados ao ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Agora, Lula, embora evite se envolver de corpo e alma na campanha, faz figa por Ricardo Berzoini, da chapa Construindo um Novo Brasil, nova estampa do antigo Campo Majoritário, corrente liderada pelo ex-ministro José Dirceu.

No fim de 2006, meses depois de abatido pela denúncia de envolvimento na compra de um dossiê contra tucanos no apogeu da campanha eleitoral, razão pela qual teve de se afastar da presidência do partido, Berzoini pediu a Lula que o apoiasse em seu regresso ao comando da legenda. Em contrapartida, caso conseguisse renovar o mandato à frente do PT, se comprometeria a apoiar o nome indicado por Lula para a sucessão presidencial em 2010, fosse ele petista ou não. O pacto foi celebrado em uma reunião em dezembro no Palácio do Planalto. Lula cumpriu sua parte no acordo. E não há razões para que Berzoini não honre a palavra empenhada. “Nosso plano é a candidatura própria, mas temos que ficar atentos à sensibilidade dos demais partidos da coalizão”, tem dito Berzoini. Aliados do candidato à reeleição também reconhecem que, com ele no comando, o presidente Lula não terá nenhuma dificuldade no diálogo com o PT. Muito pelo contrário, o PT fará o jogo de Lula. Qualquer que seja ele.

O pior cenário para as pretensões do presidente Lula de unir a coalizão em 2010 seria uma vitória de Jilmar Tatto, da tendência PT de Luta e de Massas. No caso de Tatto, a defesa da candidatura própria é ponto inegociável e, talvez, a principal razão de ser da sua estratégia. O grupo de Tatto não apenas quer emplacar um nome petista para a sucessão de Lula como faz restrições a alternativas dentro do próprio campo do PT. Seu grupo hoje já trabalha para minar um eventual vôo solo da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, nome que Lula estimula nos bastidores. Os partidários de Tatto pertencem à turma da ministra do Turismo, Marta Suplicy, e defendem um nome com a cara e o DNA do PT para suceder Lula. Não reconhecem em Dilma essas características – sua origem na redemocratização é o PDT gaúcho. Apesar de partidários de Marta, eles reconhecem que ela, depois que mandou os passageiros vítimas do caos aéreo “relaxar e gozar”, ficou em baixa, praticamente carta fora do baralho no jogo presidencial. Assim, a turma de Tatto já acalenta um plano “B”: o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias.

 

O discurso cáustico de Tatto ganha força na reta final da campanha. Seus partidários acham que falta ao partido alguém que possa falar grosso com Lula, assim como fazia José Dirceu. “Vamos trabalhar para continuar a governar o Brasil com um nome do PT e aumentar a representatividade do partido no governo”, promete Tatto.

Se Lula prefere Berzoini, quem tem os melhores apoios entre os ministros petistas é José Eduardo Cardozo. Com ele estão Dilma, Tarso Genro (Justiça), Fernando Haddad (Educação) e Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário), além dos governadores Jaques Wagner (Bahia) e Marcelo Déda (Sergipe). Cardozo é considerado a evolução do discurso de “refundação” do PT, que Tarso Genro pregou quando esteve à frente do partido e que o levou a trombar de frente com José Dirceu e os mensaleiros. Cardozo, portanto, seria aquele que empreenderia a mudança mais radical na legenda, afastando do centro de poder os paulistas mais ligados a Dirceu e aos mensaleiros. Dono de um discurso mais crítico quanto à relação política do governo com seus aliados, Cardozo sempre se sentiu marginalizado pelo PT. “Ele é o único capaz de promover a renovação do partido”, defende Tarso Genro. Se triunfar, a avaliação que se faz é que pavimentaria o caminho para que a sucessora de Lula fosse Dilma Rousseff.

Uma coisa, porém, é certa: mesmo que Berzoini seja eleito, o velho Campo Majoritário – a antiga Articulação –, que dominou o partido desde sua fundação, em 1980, já não existe mais como tendência política. O escândalo do mensalão teve o condão de derrubar toda a direção partidária que unificava a tendência, liderada por José Dirceu e José Genoino. A maior prova disso é que tanto Berzoini quanto Tatto e Cardozo são oriundos do Campo Majoritário.