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Ao percorrer a orla de Copacabana, agentes da prefeitura identificam um menino maltrapilho deitado na areia, a cabeça apoiada nas raízes de um coqueiro. Cinco guardas municipais descem do carro, caminham até ele, cutucam seu ombro para acordá-lo e pedem que se dirija a uma van.

O garoto, sujo de areia, pede para lavar o rosto e acompanha os oficiais ao veículo. Ele era apenas um dos 50 moradores de rua recolhidos pela prefeitura na tarde da terçafeira 27, em mais um dia de Operação Choque de Ordem no Rio de Janeiro. Deflagrada pelo prefeito Eduardo Paes para acabar com a bagunça na cidade, a operação também inclui destruição de depósitos clandestinos, retirada de camelôs das ruas e combate a todo tipo de irregularidade. O grande teste para essa arrumação será o Carnaval, época em que o Rio recebe mais de 700 mil turistas. Um dos objetivos é organizar os 400 blocos de rua que desfilam antes e durante a folia. "Vamos botar ordem na casa", afirmou Paes, referindo- se à chegada do período carnavalesco.

No principal point do Carnaval, o Sambódromo, a organização tem sido praticamente impecável. Nos dois dias de desfile do grupo especial, 12 escolas de samba se apresentam com 60 mil componentes praticamente sem atraso. As 130 mil pessoas da plateia têm à disposição banheiros, médicos de plantão e restaurantes. O problema é fora da pista. Nos últimos anos, o Carnaval de rua renasceu, atraindo centenas de milhares de foliões – e os problemas se multiplicaram. Preocupado com isso, o prefeito criou um grupo de trabalho para elaborar normas para os desfiles de bandas e blocos. Paes quer acabar com a sujeira da cidade durante a festa, quando foliões urinam e jogam lixo no chão. "Não dá mais para a rua virar mictório", reclamou.

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O secretário municipal de Turismo, Antonio Pedro de Mello, encarregado da tarefa, chegou a mencionar que os blocos deveriam oferecer alguma contrapartida. Ouviu protestos de carnavalescos. Não por serem contra a organização, mas por medo de que as manifestações de rua percam a espontaneidade. "Não queremos fazer como na Bahia, com desfiles cercados por cordas e restritos a quem compra abadás", afirmou Rita Fernandes, presidente da Sebastiana, associação que reúne 12 blocos. A entidade cobrou maior atuação do governo no trânsito, segurança, limpeza das ruas e fiscalização dos ambulantes.

Depois de reunir-se com a Sebastiana, o secretário de Turismo desmentiu que quisesse cobrar uma nova taxa para o Carnaval. "Fui mal interpretado", afirmou à ISTOÉ.

"Queremos apenas evitar que a cidade vire um caos." Outro motivo de polêmica foi o decreto que revogou todas as autorizações concedidas aos blocos no ano passado.

Com a obrigatoriedade de pedir novas permissões, os responsáveis pelas agremiações reclamaram. "Fizemos um pedido no início de janeiro e até hoje não tivemos resposta", afirmou Maria Clara Ferreira, empresária do Monobloco, que costuma arrastar mais de 100 mil pessoas pela orla carioca.

A reengenharia do Carnaval de rua é apenas um dos itens do extenso rol de ações previstas na Operação Choque de Ordem. O saldo dos dez primeiros dias: 3.457 multas de trânsito, 436 moradores de rua recolhidos, 25 pessoas detidas e 260 toneladas de materiais apreendidas. A iniciativa não é nova. Em 1992, o ex-prefeito Cesar Maia assumiu com o mesmo discurso. Chegou a sugerir lavar as calçadas com creolina para espantar mendigos. Passados 16 anos, o Rio enfrenta os mesmos problemas.

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"A desordem virou um costume", reconhece Rodrigo Bethlem, responsável pela recém-criada Secretaria Municipal de Ordem Pública. "Mas nosso programa prevê a reordenação da cidade baseada na permanência do poder público." Será uma tarefa difícil. Dos 436 moradores de rua recolhidos nos primeiros dias de choque, 200 já deixaram os abrigos.

"Todo governo que começa procura uma bandeira para chamar a atenção da opinião pública", analisa o historiador Carlos Eduardo Sarmento.

"O efeito prático, no entanto, é limitado." A população torce para que dessa vez seja diferente.