O novo presidente do PSDB defende prévias para a escolha do candidato à sucessão de Lula e descarta radicalização oposicionista

ROBERTO CASTRO/AG. ISTOÉQuando o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso começou, o senador Sérgio Guerra nem do PSDB era. Como deputado do PSB, fazia oposição a ele. Há quem aponte esse fator como um exemplo da renovação que a sua chegada ao comando do partido dos tucanos representa. No PSDB, esse político pernambucano de 60 anos já esteve próximo do governador de São Paulo, José Serra, e foi o coordenador da campanha de Geraldo Alckmin à Presidência da República. Transita, assim, entre os diferentes grupos que se digladiam no partido. Uma característica que talvez facilite um pouco as difíceis tarefas que Sérgio Guerra terá como presidente do PSDB. Ele precisa manter coesos os grupos que se dividem hoje entre as pré-candidaturas de Serra e do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, para a sucessão de Lula em 2010, e as viúvas ligadas a FHC e a Alckmin. Conciliar as pressões que todos eles fazem quanto ao tom oposicionista que o partido adotará. E dar consistência a uma legenda que, distante das bases e sem capilaridade, encontra dificuldades para enfrentar a máquina do PT e o presidente Lula. Com a saúde renovada depois de enfrentar no início do ano uma delicada cirurgia que lhe extraiu boa parte do intestino por causa do agravamento de uma diverticulite, Sérgio Guerra acredita que terá condições de vencer tais desafios. É o que ele conta nesta entrevista à ISTOÉ.

ISTOÉ – Quem é o seu padrinho: José Serra, Aécio Neves, FHC ou Alckmin?
Sérgio Guerra

Nenhum deles. Ou todos eles. A indicação inicial foi feita pelo senador Tasso Jereissati, que era o presidente do partido. E hoje é encampada por todos esses citados.
 

ISTOÉ – É inegável que o PSDB vive uma disputa entre os projetos desses personagens. Como é que o sr. pretende administrar isso?
Sérgio Guerra

 Há mais discussão no PSDB do que divisão. A divisão mais notória é essa entre os pretensos candidatos à Presidência. Mas há uma convicção sólida de que o partido não se dividirá. Eu acho que os dois têm a perfeita compreensão de que é necessário que o PSDB cresça, se consolide, se modernize, para que o PSDB no plural e eventuais candidatos em particular tenham chances de ganhar a próxima eleição presidencial.
 

ISTOÉ – O sr. defende a idéia de prévias para que o partido decida entre Serra e Aécio?
Sérgio Guerra

Acho que essa é uma idéia que tem que ser testada. Pode ser que ela não seja necessária e que se chegue a um entendimento antes. Mas, se houver disputa, é a melhor alternativa que vejo hoje para a escolha.
 

ISTOÉ – A divisão interna foi um fator determinante para o fracasso do PSDB nas duas últimas eleições presidenciais, não?
Sérgio Guerra

Eu posso falar com mais propriedade sobre a última eleição, na qual estive mais envolvido, como coordenador da campanha. Vários fatores influenciaram no resultado. Mas um dos principais foi, sem dúvida, uma certa falta de solidariedade dentro do partido e na aliança que nós compusemos. Nós tínhamos uma base ampla no País todo. E essa base funcionou de uma forma deficiente na produção de uma campanha que pudesse fazer crescer os votos de Geraldo Alckmin. Mas não foi uma questão de divisão. Não foi bem isso. O que faltou foi um entrosamento, uma integração mais efetiva entre o partido no geral, seus candidatos e as bases nos municípios e nos Estados.

ISTOÉ – O sr. fala em modernização do PSDB. No que o partido precisa se modernizar?
Sérgio Guerra

Em todos os aspectos. Precisa de um novo plano de comunicação, de maior capacidade de mobilização da sociedade, maior interação com grupos sociais que hoje não participam da vida partidária. Temos que ter capacidade de nos estruturarmos no País inteiro. Não podemos ter importância em certas áreas, como São Paulo, e ser praticamente irrelevantes em outras. Nós temos problemas gerais de organização. A solução não é fácil e as leis eleitorais atuais não ajudam a reestruturação partidária. A sociedade acha que os políticos do PSDB são os melhores, mas, por alguma razão que precisamos compreender e solucionar, o PSDB não é compreendido como estrutura viva nos Estados e municípios. O partido precisa melhorar e precisa se abrir.

ISTOÉ – Que tipo de oposição deve prevalecer: a radicalização da crítica ao governo ou a manutenção de pontos de contato com o presidente Lula?
Sérgio Guerra

Um partido de oposição numa sociedade democrática como o Brasil deve conviver e se comunicar com o governo. O importante não é ser campeão do radicalismo, mas ser campeão da eficiência. Temos que mostrar e provar que somos diferentes. Nós somos um partido que não deseja quebrar o País. Não torcemos pelo quanto pior, melhor.
 

ISTOÉ – Isso significa que FHC perdeu o debate interno? Porque ele, na convenção, defendeu um aprofundamento das críticas ao governo e chamou o presidente Lula de analfabeto.
Sérgio Guerra

Fernando Henrique defende que tenhamos várias características para desenvolver. Uma delas é a da coerência. Devemos honrar o nosso passado, o nosso presente e produzir um futuro para o nosso partido e para o País. De maneira nenhuma enxergo nele um radical. É um democrata absoluto, integral, moderno. Os comentários sobre o presidente foram sobre o fato de Lula às vezes falar mal o português. Coisa que todo mundo sabe. Considerar que tem a ver com preconceito é não enxergar dois palmos à frente do nariz. O que nos atormenta, não só a Fernando Henrique, são as coisas que Lula faz e diz e que comprometem não só a ele, mas também ao País.
 

ISTOÉ – Por exemplo?
Sérgio Guerra

Por exemplo, essas declarações sobre a democracia na Venezuela. Dizer que Hugo Chávez governa a Venezuela democraticamente prejudica a compreensão da sociedade do que seja democracia no nosso país. E prejudica a avaliação que se tem do presidente. Se é um democrata de verdade, Lula não deveria falar o que falou. Não podia elogiar uma democracia que todo mundo sabe que não existe como tal, e que gera para o continente um quadro que nos preocupa.

ISTOÉ – O sr. acha que o terceiro mandato é um desejo do presidente Lula? .
Sérgio Guerra

Eu fiquei muito preocupado com essas últimas declarações sobre a Venezuela. Mais do que preocupado, decepcionado. Ele afirmar que um regime autoritário como o de Chávez é uma democracia, sendo ele presidente do Brasil e alguém que teve uma história na democracia, que ganhou com ela, que assumiu um governo depois de uma transição absolutamente limpa, é algo que assusta. Eu quero acreditar que são divagações demagógicas. Conversa fiada sem maiores conseqüências

ISTOÉ – A linha de oposição que faz hoje o PSDB vem se distanciando da tática do DEM. A aliança entre os dois partidos está ameaçada? .
Sérgio Guerra

Não vejo o menor problema em que o DEM trabalhe um plano de identidade, de afirmação, que faça com que eles adotem táticas diferentes. O DEM e nós desejamos um país com responsabilidade fiscal, democrático. O que nos une é muito mais forte do que o que nos divide

ISTOÉ – A campanha do PSDB mostra o atual governo copiando os programas de FHC. Mas, se o atual governo copia o anterior, não é difícil criticá-lo?
Sérgio Guerra

Guerra – O governo atual tem pontos positivos. Mas eles são coisas copiadas do governo anterior, geralmente para pior. Além disso, há um onjunto de pontos negativos que assombram o País.
 

ISTOÉ – Onde estão eles?
Sérgio Guerra

Principalmente na gestão política. Os erros apontam para a desestruturação das instituições políticas brasileiras. Essa desestruturação é visível nas crises sucessivas que se dão normalmente no Congresso. Essas crises têm começo, meio e fim nos partidos da base que dão sustentação ao governo. A atual política de manipulação do Estado chegou a níveis nunca vistos. Um grupo de parlamentares se junta para indicar um determinado funcionário para uma determinada atividade empresarial do Estado ou de administração pública sem a menor qualificação, apenas para atender aos interesses daqueles que o indicaram para lá. Fazer maioria assim, governar desse jeito, é algo deplorável.

ISTOÉ – Era muito diferente no governo Fernando Henrique?
Sérgio Guerra

 Nunca foi assim. Na base do governo anterior, havia um centro muito sólido. Os dois principais partidos que davam sustentação ao governo, PSDB e PFL, tinham muito mais compreensão e concordância ideológica sobre a condução do governo. Podia, eventualmente, precisar de um ou outro apoio além desse. Mas podia buscá-lo de uma forma mais independente. Este governo não encontra compreensão integral nem do próprio partido do presidente. Não foram poucas as vezes em que o próprio PT ficou contra as propostas do governo e este teve que apelar a nós para conseguir aprovar as suas propostas. Além disso, se compôs uma maioria com partidos que primavam pela baixa qualidade, que tinham dez parlamentares e cresceram para 50, 60 pessoas. Pessoas sem qualquer responsabilidade política, adesistas, fisiológicas. Criou-se todo um ambiente de fisiologia, de subordinação, que não resiste à luz do dia. E uma base destemperada que produz as crises a que a gente assiste todos os dias.
 

ISTOÉ – A mesma lógica de troca de votos por emendas orçamentárias e cargos não ocorria no governo FHC?
Sérgio Guerra

Havia desequilíbrios, havia erros. Mas eles não constituíam um padrão de conduta política como hoje. Além disso, não dá para continuar com essa situação de, toda vez que se constata algum erro no atual governo, se contra-argumentar que no passado também existia, ainda que numa escala muito menor. Nós temos que olhar para a frente. Se erros foram cometidos no passado, eu garanto que o PSDB não os cometerá de novo. O fato é que o atual governo comete erros agora e não parece nem um pouco disposto a corrigi-los.
 

ISTOÉ – A semelhança entre o mensalão mineiro e o mensalão petista não anula o discurso do PSDB como contraponto ao PT?
Sérgio Guerra

Numa determinada campanha, foram aparentemente comprovados recursos não contabilizados, financiamento indevido de campanha, caixa 2. Um processo que envolveu vários partidos. Não foi exclusivo do PSDB; envolveu uma coligação inteira. Envolve até o PT. O senador Eduardo Azeredo vai ter de se defender na Justiça. A questão deixa de ser política. Eu conto que ele vai comprovar a sua inocência. É um episódio que a gente deseja ver esclarecido. Mas não tem nada a ver com a conspiração que envolveu um país inteiro, com centenas e centenas de casos que se repetem todos os dias. Basta ver os jornais. Um uso da máquina pública de forma absolutamente irresponsável. Há hoje no Brasil uma quebra muito grande de consistência ética. E isso é muito preocupante.

ISTOÉ – O sr. está dizendo, então, que o mensalão continua?
Sérgio Guerra

 Não estou falando por mim; estou falando pelo que leio. Há poucos dias, o governo aprovou na Câmara a CPMF. Todo mundo sabe que essa aprovação passou por nomeações numa grande estatal brasileira. Isso, para mim, é muito pior que o mensalão. Causa muito mais danos ao País. É um processo que está aí, e é preciso que cresça a indignação contra ele.

ISTOÉ – O sr. foi coordenador da campanha de Geraldo Alckmin. O Ministério Público está recomendando a rejeição das contas da campanha. Isso o preocupa?
Sérgio Guerra

Claro que preocupa. Mas não tem grande relevância. A reclamação do Ministério Público é em cima de erros formais, de questões que, por falta de tempo, não foram informadas corretamente. Essas questões serão logo sanadas.

ISTOÉ – A campanha gerou um grande endividamento. Como ele será sanado?
Sérgio Guerra

Isso é um ponto a nosso favor. Não temos sobra de campanha, temos dívidas de campanha. É uma dívida grande, preocupante. Mas ela está sendo paga, e continuará sendo paga com a ajuda dos companheiros.