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A cena não tem paralelo nos registros policiais de São Paulo: na manhã da terça-feira 20, um pedaço movimentado do bairro do Tucuruvi foi sacudido por rajadas de balas, nas proximidades de um supermercado da rede Carrefour, que ainda nem havia aberto suas portas ao público. Os criminosos tinham chegado minutos antes e invadido o local. Com todos os funcionários dominados e trancados em uma sala, roubaram mercadorias e dinheiro dos caixas eletrônicos.

Surpreendidos por uma patrulha da Polícia Militar, reagiram e conseguiram fugir. Apesar de terem ferido um dos bandidos, os PMs não conseguiram prender nenhum dos 20 homens armados que participaram da ação.

Apenas um dos carros usados na fuga foi encontrado, cravado de balas, em outro extremo da cidade, horas depois do crime.

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OUSADIA No Carrefour (à esq.), polícia surpreende
os assaltantes e fere um dos 20. No edifício de luxo
nem mesmo o disparo do alarme
conseguiu evitar arrastão
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Nove dias antes, moradores de um edifício nos Jardins, bairro nobre da capital paulista, entregaram dinheiro, joias, celulares e um carro a outra megaquadrilha. Os criminosos, formando um grupo de dez pessoas, entraram no condomínio, que fica numa das regiões mais policiadas de São Paulo. Nem o disparo do alarme da cerca elétrica, momentos antes do início do assalto, foi capaz de evitar a invasão. Os moradores eram rendidos ao chegar ou sair do edifício. "No ano passado, tivemos três assaltos a prédios de apartamentos aqui na região, mas nunca com uma quadrilha tão grande", diz José Roberto Pedroso, delegado do 78º DP, onde o caso foi registrado.

ESPECIALIZAÇÃO Quanto mais a polícia tem recursos técnicos para impedir crimes, mais os bandidos aperfeiçoam suas estratégias para assaltar e roubar

Ainda na mesma noite, homens armados com metralhadoras, fuzis, pistolas automáticas e até granadas ocuparam o condomínio de casas de alto padrão, Itatinga 1, no bairro Pedra Branca, zona norte da cidade. Seis seguranças que faziam a vigilância do local – que conta com 100 casas – foram rendidos. Era o início de um enorme arrastão. Como no caso anterior, tratava-se de mais uma megaquadrilha. Só que, dessa vez, ainda maior e mais bem estruturada, com cerca de 30 marginais, que chegaram em dez veículos. Em uma das 11 casas roubadas os bandidos levaram R$ 800 mil. Dois carros, R$ 18 mil em joias, três computadores, máquinas digitais e outros aparelhos eletrônicos foram algumas das perdas contabilizadas pelos moradores.

Somados todos os envolvidos nas ocorrências chega-se à impressionante marca de 60 criminosos em três assaltos. O Departamento de Polícia Judiciária da Capital paulista (Decap) informa que os três casos estão sendo investigados, mas detalhes não podem ser revelados para não atrapalhar o trabalho da polícia. Nenhum bandido foi preso até agora.

"Quadrilhas de bandidos são fenômenos comuns ao longo da história, mas tornaram-se numerosas à medida que o mundo se mercantilizou e tornou qualquer coisa passível de transformação em dinheiro", afirma o sociólogo Fernando Salla, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência da Universidade de São Paulo (Nev-USP). Salla explica que outro fator que contribui para o aumento da organização entre os criminosos é justamente a melhora do Estado em vigiar. "É uma relação perversa, pois quanto mais se tem recursos para tentar evitar crimes, mais se tem articulação de criminosos para buscar fraudá-los", explica Salla, ressaltando que a superação dos obstáculos, como circuitos internos de tevê, alarmes, portões e grades, só é possível com a organização de vários criminosos.

"Uma quadrilha deste porte pressupõe uma organização, um estudo aprofundado dos alvos e uma logística muito bem esquematizada", concorda o deputado Olímpio Gomes (PV), membro da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de São Paulo. Ele explica que geralmente é nos presídios que se formam as megaquadrilhas. "Lá eles têm todo tempo do mundo para planejar os crimes", diz. Para o deputado esta tendência de atuação de grandes grupos revela a ineficiência e fragilidade do Estado no combate ao crime organizado. "Isso demonstra a facilidade de o marginal se organizar e a certeza de não ser molestado pelo Estado", diz Gomes. Segundo ele, esses assaltos no mês de janeiro podem estar diretamente relacionados com a saída de presos durante o indulto de fim de ano e com a Operação Verão, que desloca policiais da capital e do interior paulista para o litoral.

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"Dos 20 mil que obtiveram o benefício da saída temporária, 1.530 presos não retornaram às penitenciárias. Somando-se isso à Operação Verão pode se chegar a uma explicação para essas ocorrências", acredita Gomes. O Decap diz que não se pode falar em uma tendência de aumento de atuação de quadrilhas numerosas porque, na opinião oficial, as três ocorrências não passaram de casos isolados.