Em março de 2004 o governo relançou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), criado em 2002 para, na maré do Protocolo de Kyoto, estimular as fontes renováveis de energia. A idéia parecia muito boa, especialmente porque beneficiaria também os consumidores via redução de tarifas. Um ano depois, as expectativas estão longe da realidade e caminhando na direção contrária. A Eletrobrás foi autorizada a contratar 3.300 megawatts (MW) ao ano, durante 20 anos, divididos em partes iguais entre as fontes biomassa – da cana-de-açúcar –, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e eólica, a energia do vento. Como a cota de 1.100 MW de biomassa não foi preenchida até a última chamada, em 28 de dezembro, a Eletrobrás contratou a energia restante de PCH e eólica, mais caras do que a produzida com bagaço de cana-de-açúcar, cujo custo vai acabar pesando no bolso do consumidor.

As brechas legais levaram a Usina Santa Isabel, em São Paulo, uma das habilitadas na segunda chamada, a entrar com um mandado de segurança contra a Eletrobrás. O juiz Fabio Tenenblat, da 22ª Vara Federal do Rio, deu ganho de causa à usina, mas a Eletrobrás promete recorrer. “A não contratação dos projetos habilitados na fonte biomassa vai contra a eficiência nos serviços públicos, podendo causar prejuízos aos consumidores finais atendidos pelo Sistema Interligado Nacional”, alegou o juiz em seu parecer. Para José Cirilo, gerente-geral da Usina de Açúcar MB Ltda., no interior de São Paulo, a data de 28 de dezembro, marcada para a chamada final, foi “um casuísmo”. A usina tentou prorrogar o prazo, mas não foi atendida. “O Proinfa paga menos para quem tem mais eficiência”, lamentou Cirilo.

A razão da queixa é o valor de R$ 93,77 estipulado para o megawatt da biomassa, enquanto as pequenas hidrelétricas foram cotadas a R$ 117,02 e as eólicas, a R$ 204,35. O diretor-geral do Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE), Jaime Buarque de Holanda, chamou o Proinfa de “festival de erros”. Segundo ele, ao contrário do que diz o próprio nome, o programa não estimula a geração de fontes alternativas e criou critérios desconhecidos para estabelecer o valor das três fontes. “Não há um custo-padrão. A única forma de fixar os valores seriam os leilões”, aponta. Holanda lembra que a biomassa é uma tecnologia 100% nacional, enquanto a eólica é “alienígena” e não é dominada pelo País.

A eficiência da biomassa alegada por Cirilo é real. Além de a grande maioria das usinas estar próxima aos grandes centros consumidores, elas se localizam sob as linhas de transmissão. Muitas das empresas habilitadas acabaram desistindo de participar do programa, sobretudo após dois aumentos do aço, um dos principais insumos das usinas. “O consumidor vai deixar de receber uma energia mais competitiva e as usinas perdem a chance de participar de um mercado com grande potencial de crescimento”, lamenta o consultor Julio Borges, da JOB Economia, que há dez anos atua no mercado de energia.

Mesmo com o custo também inferior à fonte eólica, as pequenas hidrelétricas acabaram abocanhando o menor quinhão da cota que sobrou para a biomassa. Dos 444.66 megawatts contratados, 278.72 são da energia que vem do ar e 165.94 das PCHs. A lei que criou o Proinfa autoriza a contratação de outras fontes, caso a biomassa não preencha sua cota. Mas a procuradora Gisele Porto, do Ministério Público Federal, que encaminhou o processo à Justiça federal, entendeu que essa substituição só poderia ser feita na falta de empreendimentos habilitados na biomassa, o que não ocorreu.

Pano para manga – A procuradora destacou que a lei não proíbe que empreendimentos da mesma fonte, já habilitados e não convocados, venham a ser contratados, o que também deixou de ser levado em conta. Os argumentos foram decisivos no julgamento do processo, já que a Santa Isabel enviou à Eletrobrás uma carta em 30 de dezembro solicitando sua participação. Mesmo as empresas que desistiram de participar, por causa do baixo preço oferecido, teriam entrado no Proinfa – segundo fontes do setor – se o martelo fosse batido por R$ 120, valor ainda inferior ao da energia eólica. O critério da Eletrobrás, no entanto, priorizou “o remanejamento estabelecido em lei”. Os prognósticos de Jaime Buarque de Holanda, do INEE, não são nada otimistas: “O Proinfa ainda vai dar pano para manga aos advogados nos próximos 20 anos.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias