O empresário e senador Paulo Octávio (PFL-DF), apontado como um dos maiores construtores da região
Centro-Oeste, é alvo de um relatório
de auditores da Caixa Econômica Federal (CEF) a pedido dos procuradores e do serviço de inteligência do Ministério Público Federal. Os auditores o acusam de ter se apropriado indevidamente de R$ 160 milhões de um megaprojeto que construiu com recursos da Funcef – o fundo de pensão dos servidores da CEF: cerca de 700 apartamentos na Superquadra 311 Norte em Brasília. Os procuradores no Distito Federal Carlos Henrique Martins e Lauro Cardoso Pinto ajuizaram na |Justiça, na sexta-feira 20, uma ação de improbidade administrativa contra ele e toda a antiga diretoria da Funcef. Solicitaram ainda por meio de medida cautelar a indisponibilidade dos bens de Paulo Octávio. Nesta semana, encaminham o relatório ao procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que deve oferecer denúncia contra o senador ao Supremo Tribunal Federal por crime tributário e contra o sistema financeiro.

As investigações estão em cima de uma espécie de fundo de investimento imobiliário, criado pela Funcef em 1998 em sociedade com as construtoras
Paulo Octávio Investimentos Imobiliários Ltda. e Conbral S.A. para construir e administrar o empreendimento sob a fiscalização da Comissão de Valores Imobiliários (CVM). O relatório mostra que a construtora do senador realizou um milagre da multiplicação: recebeu R$ 160 milhões, investindo muito menos do que deveria. De acordo com o relatório a Paulo Octávio, detentora de 60% das cotas do fundo, deveria integralizar inicialmente R$ 61,2 milhões num prazo de 36 meses. Mas, com a conivência dos ex-diretores da Funcef, a construtora mudou várias vezes as regras do jogo nas assembléias de cotistas, evitando esse aporte de recursos. Um agravante para Paulo Octávio foi ter assinado, apesar de já estar exercendo na época o mandato de deputado federal, ata de uma assembléia do fundo como representante da empreiteira. Quando se está exercendo cargo público, a Constituição e o Código de Ética do Congresso não permitem que parlamentares tenham poder de decisão das suas empresas.

Com as manobras e um desembolso de apenas R$ 11,5 milhões no fundo, obtidos com a venda antecipada dos imóveis, a construtora conseguiu faturar R$ 113 milhões e receber R$ 47,5 milhões de lucros como cotista e a título de integralização de cotas. “Ficou comprovado que os significativos lucros auferidos pela Paulo Octávio foram decorrentes de favorecimentos explícitos, concebidos pelos representantes da Funcef e pela administradora, sem a observância da legislação aplicável aos fundos de investimentos”, diz o relatório.

Segundo o documento, a mesma sorte não teve a Funcef. Apesar de ter investido R$ 6 milhões, o fundo amargou um prejuízo de R$ 15 milhões (valores atualizados) com a venda de 11 terrenos para a construção do condomínio. Para os auditores, os prejuízos foram causados porque o contrato de venda dos terrenos do fundo de pensão foi alterado para beneficiar as duas empreiteiras.

A devassa na CEF atinge também 30 empreendimentos da Funcef construídos durante o governo Fernando Henrique. Os auditores estimam que o fundo
levou um prejuízo de R$ 1,2 bilhão. Além do megaprojeto da Asa Norte, duas outras parcerias imobiliárias da Funcef com a empreiteira do senador – a construção do Brasília Shopping e do hotel Blue Tree Brasília – estão sob a mira dos auditores da Caixa e do MP. A estimativa inicial é de que o fundo de pensão levou um rombo de
R$ 100 milhões ao investir nesses dois empreendimentos em parceria com a construtora do senador.

Sinais de riqueza – No longo prazo, esse rombo pode comprometer as aposentadorias dos servidores, que recolhem mensalmente uma taxa de contribuição à Funcef. Mas de jeito nenhum prejudicará as dos diretores do fundo que tocaram o empreendimento Superquadra 311 Norte com o senador. Responsável pela aprovação do projeto, o ex-presidente da Funcef José Fernando de Almeida enriqueceu da noite para o dia. Três anos depois do início do megaprojeto, seu patrimônio saltou de R$ 800 mil para R$ 5 milhões. Os documentos obtidos por ISTOÉ em cartórios mostram que Almeida, aposentado há um ano, tem patrimônio de mais de R$ 10 milhões, incluindo 13 propriedades rurais na região de Abaeté (MG); as churrascarias Porcão, de Brasília e Belo Horizonte; empresas de comunicação; e uma cobertura de luxo, avaliada em R$ 1,5 milhão na Praça da Liberdade, em BH.

De bem com a vida, o servidor não tem preocupação de esconder sua riqueza. Em uma de suas fazendas em Abaeté, Almeida construiu uma espécie de réplica da Casa Branca, a sede do governo americano, que dá o nome à propriedade. A mansão é enfeitada com leões de concreto e palmeiras imperiais. O relatório dos auditores da CEF mostra que Almeida desde o início atuava afinado com o senador Paulo Octávio na criação do Fundo Imobiliário da Superquadra 311 Norte. O servidor derrubou, por exemplo, a proposta inicial aprovada pela diretoria da Funcef no dia 12 de março de 1997, que previa uma parceria com a CBO Participações e Empreendimentos na construção de seis edifícios.

Para os auditores, o novo fundo de investimento imobiliário, articulado por Almeida e Paulo Octávio, desde o início funcionou de forma irregular. Contratada pela Funcef e pelas empreiteiras para administrar e legalizar o fundo imobiliário, a distribuidora Mercúrio DTVM forneceu informações falsas à CVM. Em vez de dizer ao órgão que as cotas do fundo já estavam definidas entre os três cotistas, a distribuidora informou, por exemplo, que elas seriam vendidas aleatoriamente no mercado de balcão, sem a distinção dos investidores.

O relatório revela que a Paulo Octávio ganhou dinheiro, sem aplicar recursos, de duas formas: cancelando a integralização de capitais nas assembléias de cotistas e contratando por meio da Mercúrio suas próprias empresas para realizar as obras a custos elevados. Os documentos mostram que os contratos e as obras não concluídas causaram um prejuízo de R$ 31,2 milhões (R$ 55 milhões em valores atualizados). Desse montante estão contabilizadas uma creche e uma escola, avaliadas em R$ 1,2 milhão, que nunca saíram do papel.

Paulo Octávio também é acusado de aplicar um golpe na Receita Federal que lhe possibilitou deixar de recolher sua parte de imposto no fundo, previsto no artigo 2º da Lei nº 9.779 de janeiro de 1999. Segundo a lei, os detentores de mais de 25% das cotas de fundos imobiliários são obrigados a recolher 20% sobre os lucros do empreendimento. Os auditores afirmam que, para não ser obrigado a pagar o imposto, o senador, tão logo a lei entrou em vigor, passou 1% das cotas para o seu empregado Sebastião Luís Ferreiro Sobrinho. Com um patrimônio de cerca de R$ 90 mil, Sebastião entrou no quadro societário após simular ter contraído um empréstimo com o próprio Paulo Octávio. Os auditores descobriram que tão logo recebia os dividendos do fundo, Sebastião os repassava integralmente para a conta da Paulo Octávio na CEF. Falando em nome de Paulo Octávio, o superintendente da construtora, Marcelo Carvalho, negou irregularidades e disse que o senador não teve participação alguma no projeto.