Uma velha e sombria senhora anda fazendo sorrateiras visitas a algumas cortes brasileiras. E os resultados dessas aparições têm trazido amargas lembranças, que pareciam trancafiadas nos porões da história. A sorumbática anciã atende pelo nome de censura. Nas últimas semanas, ela esteve nas dependências do Tribunal de Justiça de Rondônia, na 7ª Vara Cível de Goiânia e, aproveitando a estada, deu uma passadinha na 12ª Vara Criminal da capital de Goiás. Por onde andou, a velhinha ultrapassada causou uma perigosa sensação de liberdade cassada. Seus alvos: o apresentador Jorge Kajuru, o escritor Fernando Morais e o povo de Rondônia. Esse revival fora de hora produziu a quase prisão de Kajuru e embargou a circulação do livro Na toca dos leões, de Fernando Morais, uma biografia da agência de publicidade W/Brasil. Não satisfeita, a velha temperamental condenou o autor, a editora e uma das principais fontes de informação do livro, o empresário Gabriel Zellmeister, sócio da W/Brasil, ao silêncio. Quem desrespeitar sua ordem paga R$ 5 mil a cada vez que se pronunciar sobre o caso. Para completar, determinou que o povo de Rondônia fosse privado de assistir à exibição de uma fita que revelava um esquema de venda de votos em troca de apoio aos projetos do governador do Estado, Ivo Cassol (PSDB).

De todos os casos, o de sentença mais severa é o de Kajuru. Polêmico e controverso, o jornalista foi condenado à prisão. O processo foi movido pelas Organizações Jaime Câmara, afiliada da Rede Globo em Goiânia. Kajuru contestou os baixos valores de compra dos direitos de transmissão do campeonato goiano de 2000, pagos pela empresa. O apresentador iria para a cadeia porque seu advogado perdeu o prazo para a apresentação de um recurso. Quando já se preparava para o cumprimento da pena, uma liminar, concedida por um dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, o salvou. A medida adiou a sentença. Agora, Kajuru aguarda o julgamento do mérito que será apreciado pelos outros ministros do STJ. O advogado Manoel Alceu Affonso Ferreira, 62 anos, condena qualquer tipo de punição criminal em relação aos crimes de opinião. “O cárcere nunca foi resposta para crimes de opinião. As punições, se forem justas, sempre têm que ser pecuniárias”, diz o especialista.

Enquanto Kajuru safa-se momentaneamente, Fernando Morais está apenas no início da batalha pela liberação de seu livro e de seu direito de expressão. O autor da ação foi o deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO), que processa Morais, a editora Planeta e Zellmeister por calúnia, difamação e injúria. O cerne da discórdia está localizado na eleição presidencial de 1989. Na época, o então candidato Caiado procurou a W/Brasil propondo que a agência assumisse a publicidade de sua campanha. Durante a conversa, de acordo com versão de Zellmeister, Caiado teria revelado um absurdo plano para a solução dos problemas da superpopulação “nos estratos sociais inferiores do País, os nordestinos”. Segundo relato à pág. 301 do livro, Caiado pretendia acrescentar à água dos reservatórios um remédio que esterilizasse as mulheres nordestinas.

Indignado, o deputado, que é casado com uma baiana, entrou na Justiça pedindo o embargo do livro. Não satisfeito, seu advogado, Ovídio Martins de Araújo, adicionou na ação o pedido de silêncio de todos os envolvidos no imbróglio. Em entrevista concedida em Paris, Morais questionou violentamente a decisão. “Se o deputado se sente ofendido, tem todo o direito de me processar. Não de me censurar ou de me calar.” O autor do processo discorda veementemente da posição do escritor: “A Constituição tem o princípio de resguardar a honra e a moral do cidadão. O que fiz foi impedir que se desse mais repercussão pública a uma mentira.”

Enquanto isso, em Rondônia, os deputados estaduais deram um tiro no próprio pé. Ao conseguir que a Justiça impedisse a exibição de uma reportagem no Fantástico que revelava uma negociata entre eles e o governador Cassol, o máximo que os políticos conseguiram foi produzir uma sublevação civil que pode culminar com o impeachment deles e do próprio governador, o responsável pela gravação e divulgação da fita da propina. Pressionados pela rebelião popular, os mesmos deputados foram ao Tribunal da Justiça liberar a reprodução da fita. Tarde demais. Aqui, a velha senhora saiu de fininho, apressada, envergonhada. Será que voltou para o velho porão empoeirado de onde nunca deveria ter saído? Só o tempo dirá.