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FIM DE UM ERA Técnicos da RCTV na última transmissão da emissora, tirada do ar por se opor a Chávez

Depois de anos surrando a oposição, o presidente venezuelano Hugo Chávez pode ter cometido o maior erro de avaliação política de seu governo: a não-renovação da concessão pública à Rádio Caracas Televisão (RCTV), única emissora aberta de alcance nacional que ainda fazia oposição. Após o fechamento da rede, à 0h59 do domingo 27, eclodiram violentas manifestações de protesto em diversas cidades do país; no plano externo, a Venezuela sofreu críticas até de aliados. Durante vários dias, milhares de manifestantes, principalmente estudantes, foram às ruas protestar contra a medida e entraram em choque com chavistas e a polícia. Foi a primeira vez, desde 1999, que estudantes tomaram a iniciativa política, ocupando o lugar dos empresários e dos partidos tradicionais – completamente desacreditados, principalmente depois que articularam uma tentativa de golpe contra Chávez em 2002.

 Lei da mordaça

No ar desde 1953, a RCTV era a tevê de maior audiência (40%) na Venezuela, atingindo principalmente as classes C e D, eleitoras de Chávez. Esses telespectadores estão revoltados com a interrupção de novelas como Mi prima ciela. Cerca de 70% dos venezuelanos foram contra a medida. Com o fechamento da RCTV, apenas a Globovisión permanece na oposição, mas seu alcance é limitado a Caracas e arredores. O governo justificou a suspensão porque diretores da RCTV, especialmente Marcel Granier, foram protagonistas do fracassado golpe contra Chávez. A emissora também foi acusada de evasão fiscal e de ter uma programação "deturpada".

A medida seria apenas mais um passo em direção ao autoritarismo não fosse por um detalhe: o principal beneficiário do fechamento da RCTV será o megaempresário da mídia Gustavo Cisneros, 61 anos, dono da rede Venevisión. O grupo herdará da RCTV uma receita publicitária de US$ 163 milhões. O irônico é que Cisneros foi um dos principais – senão o principal – articuladores da tentativa de derrubar Chávez. "Cisneros era o chefe da conspiração. Era em seu canal que se reuniram os conspiradores. Ele foi o eixo midiático da campanha contra o governo", diz Teodoro Petkoff, diretor do jornal Tal Cual, ex-guerrilheiro e um dos líderes da oposição. Só que, em 2004, depois que um referendo garantiu a continuidade de Chávez no poder, Cisneros se acertou com o governo e mudou de lado. Tanto que, dessa vez, os opositores acusaram a Venevisión de não dar destaque às grandes manifestações contra o fechamento da RCTV.

Lei da mordaçaNo seu longo embate com a oposição, Hugo Chávez tinha a seu favor o argumento que, até agora, tudo o que fizera, por mais contestável que fosse, fora feito dentro das regras democráticas. À oposição cabia o ônus de ter lançado mão de expedientes antidemocráticos, como na tentativa de apeá-lo do poder pela força. Agora, não mais. A RCTV foi reconhecidamente golpista, mas a questão deveria ser dirimida pela Justiça. E a escalada contra a imprensa não parou aí: depois de fechar a RCTV, o governo já ameaça a Globovisión. Já Cisneros está tranqüilo. E Chávez, que posa de líder esquerdista, talvez devesse ler o que a marxista Rosa Luxemburgo escreveu em 1918 sobre a supressão da imprensa livre na Rússia bolchevique: "A liberdade é sempre a liberdade daqueles que pensam diferente de nós.