EXPANSÃO 
Obra de Iole avança sobre a fachada do museu

Se existe uma atitude comum às diversas pesquisas da arte contemporânea é a vontade do artista de dialogar com o mundo. A Documenta de Kassel, na Alemanha, que divide com a Bienal de Veneza a posição de mais importante mostra periódica (ocorre a cada cinco anos), tomou como tarefa a reverberação desses diálogos, colocando especial ênfase nas estratégias de comunicação da arte com o público. Essa atitude está bem representada pelos artistas brasileiros que terão seus trabalhos integrando essa 12ª edição da exposição (abre no próximo dia 16): Iole de Freitas, Ricardo Basbaum, Mira Schendel (1919-1988), a dupla suíço-brasileira Maurício Dias & Walter Riedweg e o urbanista chileno radicado no Rio de Janeiro Jorge Mário Jáuregui. Com esse time, que representa a maior participação brasileira (ou carioca) da história da Documenta, evidencia-se o vigor e o reconhecimento da cena brasileira no Exterior. "A Documenta é uma máquina de produção de visibilidade: domina com maestria os mecanismos de construção do evento de arte contemporânea e isso garante grande repercussão", diz Basbaum.

A representação brasileira em Kassel se estende à participação de teóricos em seminários, como a crítica Suely Rolnik, e de revistas como a Trópico e o Canal Contemporâneo, no projeto Documenta 12 Magazines. O Brasil está ainda na concepção arquitetônica do evento, já que os conceitos de Lina Bo Bardi ajudaram o diretor artístico da mostra, Roger Buergel, a solucionar uma questão árida: como acomodar a arte do começo do século XXI em espaços museológicos de linguagens diversas, construídos ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX? A idéia que orienta os espaços da Documenta 12 (a começar pela sede, no edifício neoclássico do Museum Fridericianum) é que eles não funcionem apenas como locais de exposição, mas também como lugares de troca e colaboração entre os artistas, seus trabalhos e os habitantes de Kassel.

Um exemplo desses casos de expansão espacial é o trabalho de Iole de Freitas. A obra não se contém à área de 32 metros por 11 metros que ocupa no primeiro andar do Fridericianum e, assim, desliza pelas janelas ganhando a fachada do edifício. "A relação com a cidade está implícita. Investigo as relações entre espaço institucional interno e externo, entre público e privado", diz Iole, que durante as sete semanas de montagem deu palestras e conversou com moradores. "O resultado foi o aprofundamento do entendimento sobre o trabalho nos diversos núcleos da sociedade." A comunicação entre a Documenta e a pacata Kassel se dá de forma particularmente desestabilizadora no projeto Funk Staden, de Dias & Riedweg, que reconta a história do aventureiro alemão Hans Staden a partir do universo do funk carioca. A relação nada óbvia entre os morros do Rio de Janeiro e esse ilustre filho de Kassel (autor do primeiro relato literário publicado sobre o Brasil, em 1557) é, no mínimo, crítica e provocadora.

ALEXANDRE SANT'ANNA

PRESTÍGIO 
Basbaum (à esq.) e a dupla Dias & Riedweg: interação com o público e o funk carioca

"Funk Staden nos permitiu averiguar como a história é manipulada pela percepção de quem a conta", afirma Dias. "Staden só não foi devorado pelos tupinambás porque eles, seguindo sua lógica de alteridade antropofágica (comiam o inimigo para incorporar sua força), não o consideraram corajoso. Por isso ele se livrou e voltou à Europa, onde publicou o livro que veio a fundamentar as fantasias européias sobre os trópicos."

Dias & Riedwig instalam em Kassel os rituais de música e dança do morro. Jorge Jáuregui também faz um elo entre a cidade alemã e o Rio de Janeiro com seus déficits de espaços públicos. Para preencher essa lacuna identificada em realidades tão distantes o urbanista desenhou um "espaço de encontros" a partir de um barraco de favela. "Tratase de um suporte para diferentes atividades (circular, estar, contemplar, fruir, participar, informar-se), em grupo ou individualmente", diz ele. Participar é a chave da obra de Ricardo Basbaum, intitulada Você gostaria de participar de uma experiência artística? O projeto, em curso desde 1994, é realizado por voluntários e consiste em levar um objeto para casa e documentar o tempo que se passa com ele. "Tenho a impressão de que meu projeto interessou à Documenta porque possibilita que habitantes de Kassel tenham uma participação direta", diz Basbaum. O potencial de circulação da obra, no entanto, extravasa o limite físico da exposição. O objeto não está só em Kassel, mas tem uma área de circulação que cobre Europa, África e América Latina. Revela a vocação que a arte contemporânea, brasileira ou não, tem de tramar redes e formar comunidades.