Max G Pinto

Olho clínico: além de vislumbrar
a cura para a distrofia muscular, Mayana aponta falhas que
impedem pesquisas

Se fosse contar as horas que passou ao telefone tentando acelerar a liberação de produtos importados para concluir pesquisas científicas e salvar vidas humanas, a geneticista Mayana Zatz, israelense naturalizada brasileira e reconhecida pela ONU como uma das melhores do mundo, teria batido todos os recordes no quesito perseverança. “A burocracia me tomou um tempo que deveria ter sido gasto nos laboratórios”, diz ela. Pró-reitora de pesquisa da Universidade de São Paulo e uma das maiores autoridades internacionais do projeto Genoma Humano, Mayana foi premiada recentemente pela Editora Três, que publica ISTOÉ. Na solenidade de entrega do prêmio, ela olhou para o presidente Lula, também laureado com o título de Brasileiro do Ano, e abriu a voz: “É uma oportunidade de falar com o presidente Lula como porta-voz de inúmeros pacientes afetados por doenças graves”. Na seqüência ela bateu duro na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) cujas regras de funcionamento emperravam, até aquela noite, pesquisas genéticas. Explica-se por que se usa aqui o verbo emperrar no passado – emperravam. Mayana cumpre, em média, uma jornada de trabalho de 18 horas por dia. Por que não trabalhar na festa de sua premiação? Ela trabalhou quando discursou. E, a partir de seu discurso, as regras da CTNBio mudaram imediatamente e o Brasil melhorou no campo da ciência.

O passado: para que o uso de organismos geneticamente modificados fosse aprovado em pesquisas era necessário que dois terços dos 27 membros do CTNBio votassem favoravelmente. Assim, desde o 2005, quando a Lei de Biossegurança foi regulamentada, a comissão passou a colecionar casos insólitos. Exemplo um: o Brasil importa de Cuba vacinas contra a hepatite e a meningite (já veio até lote com validade estourada) porque nunca se atingiu os dois terços de aprovação para que elas sejam produzidas aqui. Exemplo dois: a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) teve de fazer em Honduras as suas pesquisas com bananas geneticamente modificadas para evitar que o projeto ficasse engavetado no Brasil. “Não dava para entender essa lógica”, diz Jairon Santos do Nascimento, coordenador geral da CTNBio.

O presente: para corrigir essas distorções, denunciadas publicamente por Mayana, o presidente Lula pediu que o deputado Paulo Pimenta fosse o relator de uma Medida Provisória que ao apagar das luzes de 2006 deu nova cara à CTNBio. A MP foi aprovada na Câmara no dia 20 de dezembro, nove dias depois de Mayana e Lula se encontrarem na premiação de ISTOÉ. Agora, exige-se apenas a maioria absoluta nas deliberações da CTNBio. A MP vai ao Senado e já se sabe que Lula organizou uma força-tarefa para acelerar a sua votação. “A CTNBio vai mudar muito, tenha certeza”, disse Lula a Mayana. De fato, outras providências são urgentes. Exemplo disso é a liberação da importação de espécies transgênicas de camundongos portadores de distrofias musculares similares às que acometem seres humanos. Motivo: a partir dessa liberação pode-se pesquisar geneticamente e, a partir dessas pesquisas, pode-se salvar vidas. A distrofia muscular é causada por uma falha genética que impede que o organismo fabrique uma substância chamada distrofina e, sem essa proteína, os músculos do corpo sofrem atrofia.

Os números falam por si sobre a gravidade da situação. Estima-se que as doenças genéticas neuromusculares afetem uma pessoa em cada grupo de mil indivíduos e somente no Brasil há cerca de 200 mil portadores dessas enfermidades – sendo que uma de suas mais graves e tristes manifestações é a síndrome de Duchenne, que atinge crianças do sexo masculino e tem incidência superior à do câncer infantil. Entre três e quatro anos de idade, essas crianças começam a cair constantemente, antes dos 12 anos estão em cadeiras de rodas e, sem cuidados adequados, não sobrevivem aos 20 anos. Com a alteração nas regras de aprovação do CTNBio, o País deu uma largo passo rumo à pesquisa genética para tratar dessas enfermidades. Resta agora um ponto: aqueles que trabalham na liberação de material científico importado devem acelerar o seu ritmo. Não precisam trabalhar diariamente 18 ou 19 horas como faz Mayana, basta acatar uma de suas sugestões: “Assim como se estampa em caminhões material perecível, pode-se carimbar: material de pesquisa científica, libere-se em 24 horas.”