O que 61 socos em Juliana Garcia revelam sobre a violência contra a mulher no Brasil

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Juliana foi agredida pelo namorado com 61 socos em Natal (RN) Foto: Reprodução

Os 61 socos desferidos contra Juliana Garcia na cidade de Natal (RN) no último sábado, 26,chocaram o Brasil diante da violência flagrada por uma câmera no elevador do prédio.

O autor do crime, o namorado dela, Igor Cabral, foi preso em flagrante. Um dos motivos pelo qual o crime chamou atenção foram os repetidos golpes no rosto da vítima, que se encontrava indefesa e caída no chão do elevador. Segundo especialistas ouvidas pela Agência Brasil, o ato carrega um simbolismo ancorado na cultura machista.

“Agressores normalmente atacam o feminino do corpo humano, (incluindo) rosto, seios e ventre como um recado de que aquele corpo pertence a eles”, afirmou a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Valéria Scarance, para quem os agressores praticam atos de violência imbuídos de um sentimento de posse e superioridade em relação às mulheres.

A antropóloga Analba Brazão, educadora do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, disse que esses ataques contra a mulher em regiões como o rosto têm como objetivo desfigurar a vítima. “Atingir o rosto também demonstra poder. Ele quer aniquilar aquela mulher e deixar visível a sua marca”.

Essas violências no corpo da mulher e na expressão do feminino têm uma simbologia marcante, acrescentou Télia Negrão, pesquisadora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). É o que acontece quando criminosos mutilam, por exemplo, os seios ou a região genitais.

Há até chutes na área da barriga da mulher como forma de destruir a sua capacidade reprodutiva posterior”, disse a pesquisadora.

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Quatro mulheres mortas por dia

Conforme a edição mais recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em julho, houve novo aumento no número de feminicídios, que chegou a 1.492 casos em 2024. O número representa quatro mortes de mulheres por dia. É a maior quantidade desse tipo de crime desde 2015, início da série histórica.

Segundo o levantamento, 63,6% das vítimas eram negras. Além disso, 70,5% tinham entre 18 e 44 anos e oito em cada dez foram mortas por companheiros ou ex-companheiros. Os feminicídios dentro de casa são maioria (64,3%).

Já os casos de tentativa de feminicídio, como aconteceu com Juliana, em Natal, foram 3.870 no ano passado, 19% a mais do que no ano anterior. As agressões registradas contra mulheres foram de 256.584 casos (em 2023) para 257.659 (no ano passado).

Para a promotora Valéria Scarance, do MP-SP, desde a Lei Maria da Penha instaurou-se um “novo tempo” no Brasil, em que a violência contra mulheres deixou o âmbito privado e ganhou domínio público. “Antes, era comum que as pessoas não se manifestassem diante de uma ‘briga de casal’. Mas, hoje, a sociedade está atenta a essas violências, inclusive as que eram consideradas menos graves”.

Ao mesmo tempo em que a legislação brasileira é considerada uma das melhores do mundo no combate ao feminicídio, as pesquisadoras apontam que discursos de misoginia, até mesmo de autoridades públicas, cresceram com a ascensão da direita radical no país.

Ciclo e escalada da violência

Segundo a promotora, as violências mais severas acontecem quando há o término da relação ou quando a vítima não atende às ordens ou desejos do agressor. Ela explicou que, no início, as agressões ocorrem em locais pouco visíveis. “Mas à medida que a violência evolui, agressores dão socos no rosto, chutes no corpo, puxam os cabelos, apertam o pescoço das vítimas”.

Um dos dados divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública exemplifica os desafios para garantir a segurança das mulheres brasileiras: ao menos 121 vítimas foram mortas em 2023 e 2024 enquanto estavam sob medidas protetivas de urgência ativa.

Como denunciar

Se a mulher é vítima da violência ou se uma testemunha presenciar algum tipo de agressão, pode denunciar pela Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. O  serviço gratuito e acessível em todo o país.

Por esse canal, é possível receber orientação sobre leis, direitos e serviços da rede de atendimento, como a Casa da Mulher Brasileira, os centros de referências, as delegacias de atendimento à mulher (Deam), as defensorias públicas e os núcleos integrados de atendimento às mulheres.

O Ligue 180 faz o registro e encaminhamento de denúncias aos órgãos. É possível fazer a ligação de qualquer lugar do Brasil ou acionar o canal via chat no Whatsapp (61) 9610-0180. 

Em casos de emergência, a orientação é acionar imediatamente a Polícia Militar pelo número 190, em todo o Brasil. 

Outro caminho disponível é via Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos pelo canal do WhatsApp (61)99656-5008. Funciona 24 horas para denunciar qualquer tipo de violência.