De uns tempos para cá, ser delegado no Brasil não tem sido bom negócio. A profissão, antes uma atraente opção para boa parte dos alunos formados nos cursos de direito, perdeu pompa, prestígio e, o pior, remuneração. Desestimulados, alvos da violência de bandidos e organizações criminosas e vítimas de um arrocho salarial, a categoria joga uma cartada decisiva para assegurar o presente e, sobretudo, o futuro do ofício. A esperança dos mais de dez mil delegados do País está numa siglazinha composta por duas consoantes e uma vogal: a PEC, ou Projeto de Emenda Constitucional. É com esse instrumento que as autoridades máximas dos distritos policiais esperam voltar à condição de agentes públicos da carreira jurídica. Com isso, deixariam de ter seus salários vinculados aos dos governadores dos Estados. Em síntese, seria o primeiro passo de um longo caminho rumo à autonomia da classe.

No Congresso – A PEC paralela já passou pela Câmara. Em caso de aprovação
pelo Senado, os homens fortes dos DPs, na companhia de advogados e dos agentes tributários dos Estados, terão seus vencimentos vinculados aos do Poder Judiciário estadual. Para que isso ocorra, os delegados precisam do voto de dois terços dos 81 senadores. A classe já contabiliza 38 votos. O projeto passou pela Comissão de Assuntos Sociais e aguarda para entrar na pauta de votação. Para o vice-presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol-Br), Carlos Eduardo Benito Jorge, o que a categoria pede é apenas a restituição de um antigo direito. “No artigo 241 da Constituição de 1988, nós fomos inseridos na carreira jurídica. Mas esse status nos foi retirado na reforma constitucional feita anos depois.” A principal conquista da classe na Constituinte foi a obrigatoriedade do diploma de bacharel em direito para os interessados em ingressar na carreira. A medida condenou à extinção os chamados delegados “calça curta”. Essa era a curiosa denominação dada a pedreiros, padeiros, motoristas e similares nomeados, principalmente no interior, para a função pelo fato de serem apadrinhados das autoridades responsáveis pelas indicações.

A obrigatoriedade do concurso não caiu, mas com a perda de status os delegados ficaram expostos a outras ameaças. Aí está, segundo a categoria, a grande batalha da PEC paralela. Hoje, como estão submetidos ao Poder Executivo, os delegados estão sujeitos a perder conquistas e benefícios adquiridos. Benito Jorge cita duas situações que atestam a vulnerabilidade do ofício. “Há alguns anos, o governador do Amazonas extinguiu a polícia do Estado com uma canetada. Depois, voltou atrás. E se numa canetada um governador resolve diminuir seus próprios salários? Como os vencimentos dos delegados são vinculados aos dele, a classe também tem o salário diminuído! Só que o governador não paga aluguel, luz, telefone, condomínio. Nós pagamos”, diz Benito Jorge.

É justamente na questão salarial que o processo emperra. Os governadores temem que o vínculo com os vencimentos do Judiciário, por serem significativamente maiores, arrebente de vez os já debilitados cofres dos Estados. Os delegados contra-argumentam. Afirmam que a prerrogativa do reajuste continuará sendo do chefe do Executivo estadual. “Eles (os governadores) estão querendo confundir a opinião pública. É preciso que se diga que teto não tem nada a ver com piso. Mesmo hoje, nós poderíamos receber até 75% da remuneração do governador. Mas nenhum delegado recebe sequer perto disso”, rebate André Luiz Di Rissio, delegado do Departamento de Administração e Planejamento da Polícia de São Paulo (DAP) e presidente da Associação dos Delegados de Polícia pela Democracia. Di Rissio insiste que a luta dos delegados não se restringe à melhoria dos valores impressos no contracheque. “Nosso problema não se resume aos baixos salários. Há uma campanha institucional contra a categoria. Falta reconhecimento, estímulo, nossas condições de trabalho não são adequadas. Assim, a aprovação da PEC seria um passo fundamental para o resgate da nossa auto-estima.”

Dificuldades – Acompanhando de perto a movimentação dos delegados, os governadores se organizam para frustrar seus planos. Onze deles enviaram um documento ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pedindo a revisão da PEC. O motivo alegado pelos mandatários estaduais é a impossibilidade orçamentária para o cumprimento da medida. O governador de Alagoas, Ronaldo Lessa (PDT), foi um dos que assinaram a representação. Segundo ele, além das dificuldades financeiras, a aprovação do projeto causaria algumas distorções. “Quer dizer que os delegados passam para o Poder Judiciário e todo o restante da estrutura policial fica com o Estado? Como é que fica isso?”, pergunta. Lessa também ironiza os delegados que dizem não ser o salário a sua principal reivindicação. “Isso é uma falácia. Se fosse assim, eles não estariam se empenhando tanto.” Preocupado, o governador promete fazer o que estiver a seu alcance para impedir o que ele chama de “trem da alegria”. “Um Estado pobre como o nosso não pode pagar R$ 12 mil por mês para um cara que mal saiu da faculdade”, diz, em referência ao salário do presidente do Tribunal de Justiça do Estado.

Ciente das dificuldades, os delegados prometem não se entregar. Vão se empenhar pela valorização de uma profissão cada dia mais desprestigiada. Pesquisas das associações de policiais civis apontam que é cada vez menor o número de inscritos nos diversos concursos públicos realizados pelo País afora. Isso sem contar aqueles que são aprovados e abandonam o barco antes mesmo do embarque. Em São Paulo, por exemplo, tem delegado fazendo bico de vendedor de cachorro-quente, segurança de boate e taxista. Envergonhados, não quiseram dar seus depoimentos a ISTOÉ. A chapa está quente na delegacia!