José Amaro de Souza Filho é um homem de físico forte, jamais freqüentou escola e quando perguntado sobre sua idade responde de forma imprecisa: “Tenho mais de 50 e menos de 100 anos.” Zé Amaro, como gosta de ser chamado, é quem toma conta da Fortaleza de Santa Cruz, nome oficial do Forte Orange, na Ilha de Itamaracá (PE). Para conquistar o posto e viver nesse lugar de rara beleza natural, Zé Amaro foi muito persistente. Em 1970, condenado a 20 anos de prisão por homicídio, começou a cumprir sua pena na Casa de Detenção de Recife. Na cadeia, aprendeu a ler e a escrever e, para passar o tempo, fazia entalhes em madeira. Um ano depois de preso, Zé Amaro teve seu primeiro encontro com a fortaleza. Em 1971, foi transferido para a Penitenciária Agrícola de Itamaracá. Como se tratava de um prisioneiro bem-comportado, ele e mais 39 detentos foram escalados para limpar o mato do então abandonado Forte Orange, que começava a ser restaurado pelo Exército.

“Fiquei encantado. Naquele dia resolvi que faria de tudo para passar o resto da minha vida no forte”, lembra. “Prometi a Deus que se fosse possível viver ali passaria um ano acorrentado a uma bola de ferro”. Três anos depois, as preces de Zé Amaro pareciam não ter sido ouvidas. Em 1974, ele foi transferido de cadeia. Em 1980, porém, a vida de Zé Amaro começou a ganhar novos contornos. Obteve a liberdade condicional e junto com ela uma autorização do Exército para cuidar do forte, ainda cheio de mato e sujeira. “Na época, isso estava dominado por marginais. Expulsei um a um”, conta.

Restauração – Logo que chegou, Zé Amaro encontrou no meio da sujeira uma antiga bala de canhão usada pelos holandeses. Com um tipo de algema e uma corrente, prendeu a bala pouco acima do tornozelo. E assim ficou até conseguir limpar todo o forte. “Quando não carpia, fazia algumas esculturas para vender”, lembra-se. “Na ilha, todos me chamavam de maluco do forte.” Depois de um ano, Zé Amaro se viu livre da corrente e o forte estava limpo. Mas para restaurar o local era preciso sair em busca de dinheiro. Zé Amaro, então, foi a Brasília. “Era 1991, mas o presidente Collor não me recebeu e seus assessores não deram ouvidos ao que eu disse”, conta. Apesar das portas fechadas, Zé Amaro não desistiu. Acabou na Embaixada da Holanda, onde foi orientado a abrir uma fundação que recebeu o nome de Forte Orange. “Com a fundação, o governo holandês liberou um dinheiro e o forte pôde ser restaurado por inteiro, com a construção de banheiros e do portão”, diz.

Em 1996, Zé Amaro tinha realizado seu sonho, mas passou a viver um pesadelo. O Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan) decretou o forte patrimônio nacional e o maluco acabou expulso do local, já aberto para visitação pública. Perseverante, Amaro não desistiu. Foi ao então ministro da Cultura, Francisco Weffort, e contou sua história. “Quando terminei de falar, ele me deu a autorização para continuar a trabalhar no forte e me ofereceu uma casinha ao lado da fortaleza, onde moro até hoje”, diz Zé Amaro, que tem três filhas: Sol, Marte e Vega.