À frente da Qualcomm América Latina desde janeiro deste ano, Luiz Tonisi chega à empresa em um momento de expansão. A chegada do 5G ao Brasil – que deve ter um marco importante com o leilão das frequências nos próximos meses – deve impulsionar uma série de inovações em áreas que vão desde o acesso mais rápido à internet via smartphones até aplicações inovadoras nas áreas da indústria e do agronegócio. Para Tonisi, o 5G é fundamental para aumentar produtividade e competitividade do Brasil, mas para que isso se torne realidade é necessário ter uma implementação robusta. “Não adianta só modernizar uma etapa do processo produtivo, pois assim apenas mudamos o gargalo de uma etapa para outra”, argumenta. Confira a seguir a entrevista.
Quais têm sido suas prioridades nestes primeiros meses de Qualcomm LATAM?
Uma das principais iniciativas que começamos e ainda estamos ampliando é relativa ao reconhecimento da marca Snapdragon. Uma delas é o patrocínio da categoria Stock Car, e outras iniciativas estão por vir. Com o 4G, fazíamos basicamente processadores para smartphones. Mas agora com o 5G nossa área de atuação se expandiu muito, para componentes em IoT, casa conectada etc. E o Snapdragon é nossa marca para diversas dessas iniciativas, por isso é fundamental trabalhar esse branding. Outra área, claro, é a chegada do 5G e, com ele, um potencial enorme para a utilização de chips, levando em conta tendências como IoT, carros conectados, casas conectadas, Indústria 4.0, Realidade Virtual e Realidade Aumentada.
Como o 5G pode impactar o processo de digitalização da infraestrutura do Brasil?
Entendo que o 5G é fundamental para trazer produtividade e competitividade para o país. Precisamos dessa infraestrutura para ter competitividade em nossos processos produtivos. Aí entram Indústria 4.0, telemedicina, agronegócio, educação a distância, entre outras áreas.
Nesse sentido, é necessário digitalizar o país, pois não podemos fazer com o que o Brasil cresça como queremos com a atual infraestrutura de serviços de tecnologia. E não adianta aprimorar só uma etapa do processo. Precisamos modernizar toda a cadeia produtiva.
Posso dar um exemplo simples. Na empresa em que trabalhei anteriormente, tínhamos um projeto de tecnologia na área de mineração. No local da mina, o caminhão só podia percorrer o trajeto até o depósito a uma certa velocidade. Pois havia um motorista e, pelas leis brasileiras, um veículo daquele porte conduzido por um humano só poderia andar a 30 km/h. Quando automatizamos o caminhão, ele pôde andar a 60km/h. Ou seja, duplicamos a velocidade.
Mas aí há uma série de outros questionamentos. A velocidade de processamento do minério dobrou? Como fica o escoamento? O porto tem o dobro da capacidade para receber o minério? Veja onde quero chegar. Você vai movendo o gargalo de uma etapa para outra, até o fim do processo. E a conclusão é: precisamos digitalizar o processo inteiro. Do contrário o gargalo vai apenas sendo movido de uma etapa para outra.
São problemas como esse que o 5G – integrado a outras tecnologias – permite resolver. Se vou trocar a lâmpada de um poste de rua, por que não usar já uma lâmpada inteligente, com chip para Wi-Fi e outros serviços de IoT, por exemplo?
Já temos na Qualcomm vários projetos nesse sentido e estamos esperando que a tecnologia chegue para implementá-los. Não vejo a pandemia como fator impeditivo nesse processo. A pandemia já acelerou a adoção de tecnologia no lado do consumidor, e vai aumentar no lado da indústria também.
O leilão do 5G no Brasil deve ocorrer nos próximos meses com modelo não arrecadatório, no qual as operadoras pagam um valor menor pelo direito de operar as frequências, mas se comprometem a investir mais na implementação da rede. Como a Qualcomm avalia esse processo?
Creio que o modelo escolhido para o leilão do 5G no Brasil é interessante. O Brasil ainda tem um deserto digital, com muitas regiões sem a devida cobertura e qualidade de rede. Quando trocamos arrecadação direta para o governo por investimento, isso tende a melhorar. E o investimento, é bom frisar, não é onde a operadora quer. Ele ocorre segundo critérios determinados no leilão. Há um cronograma detalhado de cidades, com critérios como tamanho da população, e especificações de onde e como deve ser implementado o 5G.
E qual o papel da Qualcomm nesse processo?
Um aspecto importante do 5G é que essa implementação deve ocorrer de acordo com as condições do nosso país. Algumas soluções que servem para outros países podem até ser usadas aqui. Mas temos o poder aquisitivo para adquirir determinado tipo de tecnologia?
Nesse sentido, o papel da Qualcomm nesse cenário é elaborar estratégias que permitam trazer tecnologia de ponta adequada à realidade do Brasil. É avaliar como podemos lançar mais smartphones com preço competitivo para o Brasil, como podemos apresentar câmeras com Inteligência Artificial, drones, soluções de Realidade Virtual ou Aumentada, mas dentro de um modelo de negócio que caiba dentro das possibilidades do mercado brasileiro. Não adianta ter dispositivo a 20 mil reais, ou soluções para uma indústria 4.0 que não tenha caso de uso no país.
Na ponta do consumidor, uma de nossas iniciativas é a aposta no uso do 5G para levar internet a residências. Hoje um funcionário da operadora vai até sua casa pra instalar, tem a demora do processo, visita técnica etc. Mas, com o 5G, a pessoa poderia simplesmente comprar um roteador 5G, ligar na tomada e, por meio dessa conexão, ter internet de alta velocidade em sua casa. Temos um projeto em fase inicial para, em conjunto com fabricantes de hardware e operadoras, lançar um equipamento deste tipo no Brasil, quando o serviço 5G já estiver disponível.
Na ponta das empresas, uma de nossas iniciativas é um fundo de investimento, gerido em conjunto com o BNDES. Esse fundo foi criado para incentivar startups com soluções de inovação voltadas para nossa realidade. O fundo já tem captados por volta de R$ 250 milhões e estamos em fase de estudos para investimentos em empresas com soluções inovadoras dentro deste perfil de resolver questões da nossa realidade.
O mercado global de chips foi afetado pela pandemia e até o momento há escassez de componentes eletrônicos. Podemos esperar uma melhora neste cenário?
Para analisar essa questão temos que começar pelas causas. Uma delas foi a Covid. Havia uma expectativa de demanda por eletrônicos para o ano passado, e a realidade foi acima do esperado. Tudo vendeu muito: equipamentos de Wi-Fi, casa conectada, celulares, computadores, fones de ouvido. Antes da pandemia, muitas pessoas se viraram com um Wi-Fi “mais ou menos”. Com o isolamento e o aumento do home office e do ensino a distância, muita gente foi obrigada a fazer o upgrade de seus equipamentos doméstico para trabalho e educação.
Outro fator foi a chegada do 5G a vários países, o que aumentou a demanda de equipamentos já compatíveis com esse padrão. O terceiro fator foi que um dos fornecedores asiáticos ficou com acesso prejudicado à cadeia logística de componentes eletrônicos (Nota do editor: Tonisi se refere à Huawei, alvo de bloqueio comercial dos EUA). Essa demanda acabou sendo transferida para o resto do mercado. Todos esses fatores colaboraram para a atual escassez.
Atualmente, as empresas que possuem fábricas de componentes eletrônicos – como TSMC, Intel e outras – estão investindo pesado para aumentar sua capacidade de produção. Dito isso, esperamos que no ano que vem essa situação já esteja bem melhor. Mas estamos trabalhando para ver o que é possível fazer ainda este ano. Vale notar que a Qualcomm não possui fábricas, e conta com esses e outros parceiros para produzir seus chips.
No ano passado, com a pandemia, a arrecadação de estados e municípios diminuiu. Qual o efeito disso nos projetos de cidades inteligentes e IoT, que necessitam da colaboração entre empresas e poder público?
Quando olhamos a tecnologia como gasto, há um aporte necessário e de certa forma isso foi impactado pela arrecadação. Mas creio que que a pandemia trouxe mais oportunidades. Quando implementamos recursos inteligentes em cidades, as contas públicas tendem a melhorar. Pois uma das consequências da tecnologia é a otimização de processos, o que resulta na redução de gastos públicos.