Quem poderia pensar em colocar goiaba num hambúrguer? Excetuando os desejos de grávidas, a combinação é um tanto improvável. No entanto, esta é a proposta gastronômica de uma empresa de Sergipe. E, pelo que se viu, na feira de alimentos Fispal Latino, Food Fair & Forum, realizada em Miami entre os dias 4 e 6, os americanos ficaram entusiasmados com a possibilidade de misturar goiaba não apenas os burguers, mas também no cachorro-quente, na pizza, no macarrão e em outros pratos. Contanto, é claro, que o fruto venha na forma de ketchup. Pela cor e sabor, o Guatchup – feito de guava, a goiaba vermelha – é igual a seu similar feito com tomates. Somente um leve cheiro de goiabada denuncia as origens do novo produto. As grandes diferenças entre o original e o recém-chegado são: 33% a menos de açúcar e 25% de redução de sódio, além de uma lista quase infindável de maior incidência de vitaminas, fibras, zinco, fósforo e outros itens saudáveis, em favor do Guatchup.

Foi para abrir o mercado americano para
inovações como esta e outros produtos mais tradicionais que a Fispal – empresa brasileira de marketing alimentício – promoveu este primeiro
evento – que se espera tornar anual. Desta vez
foram 317 expositores – 100 deles brasileiros, outra centena da Espanha e o restante de países latino-americanos como Argentina, Uruguai e República Dominicana, entre outros, que ocuparam o gigantesco Centro de Convenções de Miami, na Flórida.

Alca atropelada – Do Brasil vieram quatro governadores e dois vice-governadores, especialmente para vender seu peixe (no sentido metafórico e ao pé da letra). João Alves Filho, de Sergipe, Paulo Souto, da Bahia, Zeca do PT, do Mato Grosso do Sul, e Waldez Góes, do Amapá, formavam o time de governadores. E o que se teve, na verdade, foi um atropelo da Alca – o acordo de livre mercado das Américas –, que politicamente não sai do papel. “Quem manda na integração dos continentes americanos é o mercado”, diz Ricardo Santos Neto, presidente da Fispal. E ele sabe o que diz, pois, atuando na área de alimentação há 23 anos – especialmente na pequena indústria –, cansou de esperar que os governos promovessem a integração. Há dois anos, ele começou os trabalhos para a montagem desta feira, investindo US$ 2,2 milhões, para finalmente atrair apoio de empresas como Banco do Brasil, Brasilinvest, American Express e Embraer.

“Em dez dias, visitei 16 governadores. Meu plano era trazer 12, mas só tivemos recursos para acomodar seis”, diz Santos Neto. O conceito por trás desta
feira-fórum é criar associações entre Estados. Os brasileiros, muitos deles com estandes de exibição, reclamam que, do modo como a Alca está concebida, não dá para fazer negócio. Os fruticultores, por exemplo, denunciam a injustiça das tarifas impostas pelos Estados Unidos a seus produtos. As taxas sobre frutas chegam a 30% ou 40% sobre os itens brasileiros. Em compensação, o Equador, o Chile ou o Uruguai têm listas amplas de produtos para os quais não incorrem impostos americanos. “Só queríamos ter o mesmo tratamento recebido pelo Equador”, diz o governador João Alves Filho. “Os americanos nos acusam de fazer dumping, com frutas e camarão, por exemplo. Não entendem que não há dumping algum: simplesmente temos maior produção. Nossas frutas têm colheitas o ano todo, ao passo que em outros países as safras são semestrais. O mesmo ocorre com a alta produção de camarão”, diz João Alves.

As queixas são compreensíveis, mas, como se sabe, existe mais de um modo de se comer uma goiaba. Por exemplo: o Equador tem uma lista de 6.500 produtos isentos de tarifas no mercado americano. O país só usa as cotas para 400 destes itens. Sobram 6.100 produtos que poderiam ser aproveitados pelos brasileiros. “Há modos de se fazer esta conexão”, garantiu a ISTOÉ o presidente da Câmara de Comércio de Miami, George W. Foyo. “Somem-se a isso os quatro mil itens isentos que cabem ao Uruguai, e que só usa 200 nesta cota”, lembra Santos Neto. “O negócio é o Brasil deixar de ser um país de commodities, como vem sendo há 500 anos, e passar a ser um exportador de manufaturados”, diz ele. Deste modo, se não for possível vender goiaba brasileira no mercado americano, talvez seja viável vender ketchup, ou Guatchup, usando como intermediário um país latino-americano com maior facilidade de entrada no país de Tio Sam. O Guatchup, diga-se, já recebeu o selo de aprovação da Food and Drug Administration – órgão americano regulador de alimentos e drogas. O problema para juntar a pasta de goiaba ao hot dog, nos Estados Unidos, é que os brasileiros ainda não têm produção do fruto suficiente para atender às gigantescas demandas dos consumidores do país. “Se fizermos isso, quebraremos os pequenos produtores de doces e de suco da goiaba, que não vão ter o fruto para sua própria produção. E isso nós não faremos”, diz Luiz Antônio Curado, assessor de João Alves.

A incorporação do adjetivo “latino” ao nome da feira também obedece a uma estratégia de marketing. “O que se procura é entrar no mercado através da população latina e afro-americana – que tem melhor apreciação pelo sabor dos alimentos latinos. Somente estes dois grupos gastam US$ 76 bilhões em compras diárias de alimentos nos Estados Unidos”, diz Santos Neto. Apenas com estas bocas já se pode fazer a América. Nesta primeira feira era esperada a geração de negócios com valores entre US$ 600 milhões e US$ 700 milhões. No segundo ano a quantia deve ficar na casa dos US$ 2 bilhões. E tudo na base dos conceitos invocados pelo mestre Jackson do Pandeiro no samba Chiclete com banana: misturas estranhas como, no caso, goiaba com hambúrguer.