med_medo_01.jpgRiobaldo, personagem criado por Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas, dizia que viver é muito perigoso. Diante dos ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, e o fogo cruzado entre traficantes e policiais no Rio de Janeiro muita gente assinaria embaixo. A violência nas grandes cidades brasileiras atingiu níveis tão intoleráveis que fez com que o medo fosse incorporado à rotina do cidadão. “Hoje pensamos a nossa vida com esse componente. Se vamos comprar um apartamento, verificamos se o prédio é seguro”, observa a psicóloga Ângela Almeida, da Universidade de Brasília. O efeito imediato dessa escalada é o agravamento de doenças psiquiátricas já existentes, o surgimento de fenômenos próximos à paranóia e o crescimento de casos de stress pós-traumático, o transtorno que atinge os sobreviventes de um evento trágico.

Profissional do Ambulatório de Ansiedade e Depressão da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o psiquiatra Antônio Nardi conta que a procura por atendimento pelas vítimas de um evento violento aumentou 50% de 2003 para cá. Essas ocorrências de stress pós-traumático estão mais associadas a assaltos e seqüestros. “Mas nem sempre o trauma aconteceu com a pessoa. Presenciar a cena às vezes é o suficiente”, afirma Nardi. Não são todos que desenvolvem a doença. A razão por que alguns sucumbem desse modo é uma questão ainda em estudo. É sabido, porém, que há componentes genéticos que tornam a pessoa mais suscetível ao transtorno. Isso quer dizer que, se ela testemunhar o instante em que um ônibus é queimado, por exemplo, provavelmente isso causará a doença, caracterizada por flashbacks dolorosos e mal-estar, entre outros sintomas. A situação no Líbano também pode provocar stress pós-traumático nos que estão abandonando o país, caso de muitos brasileiros. “Eles vivenciaram uma experiência extrema. Perderam amigos, parentes e deixaram tudo para trás”, avalia o psiquiatra Marco Antônio Brasil.

med_medo_02.jpgO caos urbano pode ainda intensificar – e não causar – males já existentes. É possível que a tensão, a angústia e o temor experimentados nestes dias funcionem como combustível para doenças como a ansiedade. O stress contínuo, alimentado por esse cenário, atuaria como fator desencadeante de crises. Uma onda de ataques determinados pelo PCC, por exemplo, pode piorar o estado de um portador de síndrome de pânico, o transtorno ansioso relacionado ao medo de passar mal. Não pela ameaça em si, mas porque teme ficar sem ajuda numa crise.Quem não padece de enfermidades psiquiátricas não está necessariamente livre dos efeitos da violência na saúde mental. A exposição freqüente a essas ocorrências leva as pessoas a um permanente estado de alerta. “Esse nível constante de stress também nos deixa mais impacientes e sujeitos a conflitos, como brigar com os filhos ou com os colegas do trabalho”, acrescenta a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma – Brasil, entidade internacional que faz estudos de prevenção do stress.

med_medo_04.jpgExiste mais um problema em ascensão. O psiquiatra Daniel Freeman, do King’s College, em Londres, sustenta que estão crescendo na população
os pensamentos paranóicos, um fenômeno marcado por suspeitas de que algo ou alguém pretende provocar um determinado dano à pessoa. Segundo Freeman, essa forma de paranóia, que não é a doentia, atingiu uma nova intensidade. Uma pesquisa coordenada por ele aponta que um terço dos britânicos tem essas idéias, como a possibilidade de ser ferido ou prejudicado por seus pares ou em eventos como o ataque terrorista que abalou o país em 2005. “Possivelmente estamos assistindo ao surgimento de uma geração receosa. É enorme o número de crianças que hoje acreditam que se aventurar fora de casa sem um adulto é naturalmente perigoso”, declara.

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Pensamentos paranóicos são comuns. E até podem gerar benefícios em algumas situações. “Esse tipo de receio pode livrar um indivíduo de ser assaltado na rua. Ele só vira um problema quando começa a interferir no dia-a-dia”, esclarece Freeman. Adotar um comportamento de esquiva, um provável reflexo da geração descrita pelo pesquisador, não é a melhor saída. Estar sob vigilância extrema pode intensificar a sensação de medo. “A pessoa que busca se livrar de todos os perigos da cidade grande se submeterá a situações que não trazem vantagens. Se deixa de sair de casa para ter certeza de que não será roubada, ela perderá a liberdade”, pondera o psiquiatra Márcio Bernik, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Viver, de fato, envolve riscos. Mas não precisa ser perigoso.

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