brasil_policia_01.jpgA cúpula da principal força de combate ao crime organizado, a Polícia Federal, vive no Rio de Janeiro a maldição da corrupção. Nos últimos dias, agentes da própria Polícia Federal prenderam, na operação batizada de Cerol, nada menos que dois ex-superintendentes da PF no Rio, os delegados José Milton Rodrigues e Jairo Kullmann, suspeitos de cobrar propina para proteger sonegadores de impostos. Além deles, quatro delegados federais, um agente e um escrivão foram pegos, acusados de participar da quadrilha. Outros dois ex-superintendentes da PF no Rio também são alvo da mesma operação: os delegados Roberto Precioso e Marcelo Itagiba. Precioso é o atual secretário de Segurança Pública do Estado do Rio e Itagiba, seu antecessor. Ambos são citados pela Justiça como supostos beneficiários do empresário Paulo Henrique Pedras, da cervejaria Itaipava, que pagaria à dupla uma propina mensal de R$ 50 mil. A investigação sobre quatro ex-chefes da Polícia Federal carioca segue uma triste tradição. No total, seis ex-superintendentes da PF no Rio – sem contar outro punhado de delegados e agentes – acabaram afastados do cargo ou foram investigados nos últimos 12 anos por suspeita de corrupção ou desmandos. É a chamada Maldição da Praça Mauá – referência ao local onde está instalada a sede da superintendência no centro da cidade, um velho prédio que causa uma impressão quase tão ruim quanto os homens que o comandaram.

brasil_policia_02.jpgNinguém quer vir para o Rio. É o lugar mais complicado do Brasil.” A frase, que resume bem o tamanho do abacaxi, é curiosamente de um dos investigados, José Milton Rodrigues, afastado da Delegacia Executiva da Superintendência do Rio, último cargo que ocupava. Anteriormente, haviam sido afastados do comando da PF os delegados Edson de Oliveira e Eleutério Parracho, ambos acusados de extorsão. A Polícia Federal tornou-se nos últimos anos referência nacional de combate à corrupção com sua seqüência impressionante de operações e prisões. Cortar na própria carne, acreditam os delegados, tornou-se inevitável. “Queremos servir de exemplo para as outras polícias”, diz o delegado Sandro Torres Avelar, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal.

A “caveira de burro” enterrada na PF do Rio é só parte da crise de credibilidade das polícias em todo o País, acusadas de corrupção, tortura e outros desmandos, algo que no Estado assumiu proporções alarmantes. “O problema é que aqui não se preparam profissionais para cuidar da segurança pública, mas sim para ameaçar à segurança pública”, critica o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública do governo Lula. “A estrutura das polícias no Rio é ingovernável. Enquanto não formos radicais em relação a isso, vamos continuar apenas a punir individualmente fulano e beltrano.”

brasil_policia_03.jpgSoares lembra que não são só caciques da PF local que estão sendo investigados, mas até o ex-superintendente da Polícia Rodoviária Federal, Francisco Carlos da Silva, conhecido como Chico Preto, detido em 2004 por envolvimento com a máfia que adulterava combustíveis no Estado. “A situação de nossos policiais é calamitosa e acho impressionante como temos sido tolerantes, aceitando tudo isso como se fosse parte de nosso destino”, lamenta Soares. A sensação de que “está tudo dominado”, refrão usado pelos criminosos no Rio, aumenta quando se encontram na lista de presos da Operação Cerol delegados federais como Mauro de Miranda Montenegro, o chefe da delegacia no Aeroporto Internacional Tom Jobim, e o ex-diretor executivo da PF e representante da Interpol no Rio, Roberto Prel, que teve sua casa e gabinete vasculhados pelos colegas.

A disseminação da insegurança por aqueles que deviam cuidar da segurança do cidadão também atinge outras esferas do poder. O ex-secretário de Segurança do Rio, o coronel reformado da PM Josias Quintal, está sob a mira da CPI dos Sanguessugas, que investiga o desvio de recursos do orçamento para a compra de ambulâncias. Quintal concorre à reeleição como deputado federal pelo PSB e se disse “indignado” com as acusações de envolvimento com a máfia.

brasil_policia_04.jpgA situação no Estado é tão negativa que nunca é demais lembrar que, dos quatro parlamentares cassados no escândalo do mensalão, dois são fluminenses: André Luiz (PMDB) e Roberto Jefferson (PTB). Todos os envolvidos, sejam políticos, sejam policiais, negam suas culpas. Marcelo Itagiba, candidato a deputado federal pelo PMDB, chegou a divulgar uma nota oficial com uma justificativa recorrente em época de campanha: “Estranho que a tentativa de envolver meu nome num fato escandaloso coincida com a proximidade das eleições.” A sensação de desamparo do carioca, que em outubro voltará às urnas, lembra um trecho da música Acorda amor, de Chico Buarque. Embora se referisse aos militares durante a ditadura, sua sugestão se enquadra bem na inversão de papéis que se verifica no Rio: “Chame o ladrão, chame o ladrão.”