brasil_acordos_01.jpgUajdi Menezes Moreira, carioca, 58 anos, é amigo do ministro das Comunicações, Hélio Costa, há 30 anos. Trabalharam juntos no tempo em que o ministro era repórter de tevê. No sábado 22, os dois assistiram juntos a um show em Miami, nos Estados Unidos. Na véspera, a Justiça de Brasília havia homologado um acordo que tornou Uajdi um cidadão milionário. Diz o acordo que ele começa a receber imediatamente R$ 253,9 milhões. Quem vai pagar a conta é a Telebrás, até hoje vinculada ao Ministério das Comunicações. O negócio milionário é o resultado de um processo que tramita há oito anos. Um tempo pequeno em se tratando de demandas judiciais dessa envergadura que tenha empresas estatais em alguma das partes. Segundo juristas renomados, o acordo é suspeito e não apenas pelo tempo da demanda.

brasil_acordos_03.jpgO primeiro a levantar suspeita sobre o desfecho do processo é o advogado Sérgio Roncador, contratado para defender a própria Telebrás. Ele atuava em 700 causas da empresa. Em maio passado, passou a cuidar de 699. Roncador foi afastado justamente do processo que interessava a Uajdi. A direção da Telebrás, segundo o advogado, chamou o caso para si. “Foi apenas nesse processo que eles procederam assim, é algo estranho”, comenta Roncador. O advogado alega que, antes de assinar o acordo, a Telebrás ainda poderia recorrer da decisão do Superior Tribunal de Justiça, que condenou a empresa a pagar cerca de R$ 500 milhões a Uajdi. “Era possível questionar o valor da dívida”, diz ele. O jurista Aristóteles Atheniense, vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, concorda: “É extremamente grave a União ter de pagar isso porque, depois de esgotados todos os recursos, ainda há margem para ação rescisória, para reverter o que foi decidido.”

Uajdi, dono da VT1 Produções e Empreendimentos Ltda., processou a Telebrás por causa do famoso serviço 0900, aquele dos sorteios feitos pela tevê a partir de ligações telefônicas tarifadas. Ele foi o homem que trouxe a idéia para o Brasil. Fechou um contrato com a Embratel e a Telebrás para operar o sistema. Em troca, sua empresa recebia pelas ligações efetuadas. Em 1998, os pagamentos foram suspensos de forma unilateral. Uajdi sentiu-se lesado. É o início do processo contra a Embratel e a Telebrás. Uajdi alegava que as empresas deixaram de repassar o que lhe deviam. A cifra foi aumentando. A Embratel, privatizada, fechou um acordo com o empresário e foi retirada do processo em fevereiro do ano passado. A Telebrás ficou sozinha como ré. No dia 29 de maio de 2006, às 17h12, a juíza substituta da 11ª Vara Cível de Brasília, Mônica Iannini, deu 24 horas para a Telebrás pagar R$ 506,2 milhões à VT1. A estatal não recorreu. Em 9 de junho, dia em que foi assinado o acordo e mais de um mês antes de o mesmo ser homologado, Uajdi recebeu a primeira parcela do que fora combinado: R$ 59,5 milhões. O acordo lhe garante mais 40 parcelas de R$ 900 mil cada. A primeira vence neste domingo 30. Ainda como parte do entendimento, Uajdi passou a ser dono, também, de um crédito de R$ 107,9 milhões que a Telebrás tem com a Receita Federal. E de mais R$ 50,5 milhões que a estatal cobra judicialmente da Telesp. Total: R$ 253.942.990,05. Dinheiro da União. É a maior cifra já paga pela Telebrás desde a privatização das teles, em 1998.

brasil_acordos_07.jpgDos Estados Unidos, Hélio Costa disse a ISTOÉ que só soube do tamanho da causa há pouco mais de um mês, quando saiu a decisão da juíza. “Esse assunto ficou desconhecido, esquecido, abandonado até o instante em que a juíza tomou uma decisão”, declarou o ministro na quinta-feira 27. “Não tinha informação de que estava nesse ponto.” Documentos obtidos por ISTOÉ contradizem o ministro. Em 22 de novembro do ano passado, quatro meses após assumir o cargo, Hélio Costa recebeu em seu gabinete quatro volumes com um arrazoado de todos os processos movidos na Justiça contra a Telebrás. Entre eles, o da VT1. Ali estavam, detalhadamente, até os valores das causas. Em 4 de abril, o presidente da empresa, Jorge da Motta e Silva, alertou o ministro especificamente para o caso. “A Telebrás, senhor ministro, não tem caixa para cumprir a decisão judicial previsível, podendo levá-la à falência”, escreveu Motta. “Esse elenco de fatores explosivos, inclusive pela forte conotação social e política (…) faz com que a atual administração da Telebrás recorra a Vossa Excelência para buscar uma decisão institucional conjunta que permita construir uma saída para o impasse”, emendou. Era mais um dentre vários apelos da direção da Telebrás para que o Ministério agisse politicamente para preservar o patrimônio público. “Eu queria que o tema fosse levado até para o presidente da República”, disse Motta a ISTOÉ, na última semana. A Telebrás vinha pedindo ao ministro que pusesse a Advocacia Geral da União (AGU) para defender os interesses da empresa. Segundo Motta, seria uma forma de levar a causa para a Justiça Federal, o que poderia auxiliar a defesa. “Eu não tenho informação direta de que alguém mandou para mim um documento pedindo para eu passar para a AGU”, defende-se o ministro. Novamente, a documentação obtida por ISTOÉ vai de encontro à versão do ministro.
Em 7 de junho, dois dias antes da assinatura do acordo, Hélio Costa encaminhou oficío à Telebrás com um parecer da consultoria jurídica do Ministério, que autorizava o fechamento do negócio com a empresa de Uajdi. Ao final do documento, à mão, o ministro deu seu aval. “Aceito o parecer e encaminhe-se cópia ao presidente da Telebrás”, escreveu o ministro. Juristas ouvidos por ISTOÉ afirmam que, antes de assinar o acordo, a Telebrás poderia continuar recorrendo por caminhos judiciais. Seria uma forma de tentar reverter, ou pelo menos diminuir, o prejuízo. O processo poderia levar mais dez anos correndo na Justiça. Explica-se: a defesa da Telebrás foi até o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Tentou um agravo de instrumento antes de a empresa ser condenada a pagar a dívida. Não obteve êxito. Ainda assim, tinha 15 dias para impetrar um recurso especial. Não o fez. Foi o suficiente para o processo transitar em julgado e a juíza de primeira instância ordenar o pagamento à VT1. “Se a AGU estivesse no caso, a história seria outra. Sem ela, a Telebrás ficou vulnerável”, diz o presidente da Telebrás. “Nós insistimos para que a AGU entrasse nos processos porque a lei que criou a Telebrás prevê isso. Afinal, o capital é da União”, completa Motta. Um apelo que foi feito oficialmente. “A assistência da AGU provocaria o deslocamento da demanda”, registrou Motta em 4 de julho em ofício ao ministro. O jurista Ives Gandra Martins, um dos mais respeitados do Brasil, concorda. Segundo ele, por se tratar de uma empresa em que a União é acionista majoritária, caberia o ingresso da AGU no processo. “Cabe à AGU defender o acionista majoritário, que é a União”, afirmou Gandra.

brasil_acordos_08.jpgProcurado por ISTOÉ na quinta-feira 27, Uajdi negou que estivesse com o ministro em Miami. “Não o vejo há muito tempo”, sustentou por telefone. Já Hélio Costa admitiu: “Estivemos juntos no sábado, mas foi um encontro casual.” Uajdi nega, mas é visto com freqüência no Ministério das Comunicações. O próprio Hélio Costa o desmente. “Ele já foi várias vezes ao Ministério (…) Ele tem amigos que tinham alguns processos caminhando sobre rádio ou televisão e, de repente, ele ia lá para saber qual o andamento do processo”, diz o ministro. “Ele esteve no gabinete pelo menos uma vez.” As reuniões entre os dois se estendem à casa que Hélio Costa ocupa no Lago Sul de Brasília. “Mas nós só conversamos sobre produção de tevê”, afirma o ministro. Tanto Uajdi quanto Hélio estavam em Tóquio durante o fechamento do acordo que definiu o padrão japonês para a TV digital brasileira. Os dois, entretanto, juram que não se encontraram por lá. E que nem sequer se comunicaram na capital japonesa.

 

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