A graduação da escala do susto não é a mesma da escala científica que mede a intensidade de terremotos. O tremor de terra que abalou o Chile na tarde da quarta-feira 14 bateu em 7,7 graus Richter – pontuação tão alta que deixou estarrecido o governo diante do risco de um tsunami, logo desmentido. No Brasil o terremoto fez-se sentir em São Paulo, numa intensidade entre dois e três graus, baixa na fúria de cataclismos, mas alta demais na adrenalina de quem sente o chão escapar sob os pés – como centenas de pessoas sentiram em diversas regiões da cidade, sobretudo na avenida Paulista, um dos principais corredores financeiros da América Latina. Durou 40 segundos. Para quem o experimentou no corpo e viu nos escritórios gavetas e portas se abrirem sozinhas, mesas tremerem e persianas balançarem, gente repentinamente correndo nas ruas e prédios serem evacuados, não há escala que meça o susto e o medo. “Foi a pior sensação de minha vida, não sabia o que estava acontecendo. Eu usava o computador quando senti uma forte tontura e vi as persianas do escritório tremerem. Olhei para os lados e percebi que meus colegas também estavam apavorados. Em questão de segundos saímos todos desesperados pela escada de incêndio. E, apesar de estarmos no 11º andar, chegamos rapidamente ao térreo. Foi horrível.” Esse é o relato de Fernanda Reis, 25 anos, funcionária da empresa de produtos químicos Evonik, instalada num edifício de 16 andares que tremeu por volta da uma e meia da tarde.

A sensação de desespero e horror vivida por Fernanda no Brasil foi pesadelo real nas regiões mais castigadas do Chile (Tocopilla e Antofagasta): moradores tiveram casas destruídas, carros foram esmagados por desabamentos, 117 pessoas estavam feridas e duas, mortas (até a quinta-feira 15 não havia nome de brasileiros entre as vítimas). Um hospital desmoronou impedindo o socorro e aumentando a tragédia. “Estamos tentando manter a calma, mas existem muitos feridos com fraturas expostas que ainda não receberam o pronto-atendimento porque há hospitais interditados”, declarou a ministra da Saúde chilena, María Soledad Barría. O Chile fica geograficamente sobre um encontro de placas tectônicas, gigantescos blocos de rocha que se movimentam sob a crosta terrestre como peças de um quebra-cabeça. Trata-se de uma bomba-relógio de terremotos. Sempre que essas placas se chocam, há tremor (sismógrafos registram em média 12 por dia). E é justamente essa freqüência de abalos que torna o Chile um dos países com melhor preparo para enfrentar as tormentas da natureza – isso ajuda a explicar por que a tragédia da semana passada não ganhou maiores proporções. “Em agosto os cidadãos foram beneficiados com um treinamento de emergência”, disse Luis Moyano, prefeito de Tocopilla. Lá e aqui, tudo aconteceu quase simultaneamente, com um intervalo de menos de cinco minutos.

Também localizada na região do espigão da avenida Paulista, a alameda Campinas foi tomada por centenas de funcionários que em desespero abandonaram os escritórios. “Eu segurava uma planilha e a senti se mover. Segurei mais firme, só que eu me mexia involuntariamente junto com ela”, afirmou a gerente Luciana Ferraz. Em outra direção fala o comerciante José Clóvis da Silva: “Estava passando bem no momento da correria. Vi muita gente em pânico e achei estranho porque não senti nada.” Assim como ele, outras pessoas não sentiram o tremor. O fato é explicado pelo Serviço Geológico dos EUA (USGS): os abalos são sentidos com maior intensidade nos andares mais altos dos grandes edifícios, que funcionam como um “pêndulo ao contrário”. Nos andares baixos, é muitas vezes imperceptível. “Só quando fiquei sabendo o que estava acontecendo é que levei um susto. Passei o dia todo falando com o pessoal da Defesa Civil para me certificar de que o prédio não iria desabar a qualquer momento”, disse Regina Barbosa, responsável pelo departamento de comunicação da empresa Evonik.

A presidente do Chile, Michelle Bachelet, visitou as pequenas cidades de Tocopilla e María Elena. A região portuária de Tocopilla e o povoado de Quillagua, o mais próximo do epicentro do tremor (a cerca de 1,6 mil quilômetros ao norte de Santiago), serão declarados zonas de catástrofe – o que agiliza a ajuda humanitária. Segundo o Escritório Nacional de Emergências do Ministério do Interior (Onemi), as duas vítimas fatais, Leontina Espejo, 88 anos, e Olga Petronila Ortiz, 54, foram soterradas nos desabamentos. A diretora do Onemi, Carmen Fernández, revelou ainda que cerca de 50 trabalhadores de uma empresa de minério ficaram isolados em um túnel. No meio da tarde da quinta-feira, pouco após Michelle Bachelet percorrer alguns locais da tragédia, mais dois terremotos (de menor magnitude) voltaram a castigar o país. Não mais com reflexos no Brasil. “Aqui, só de sentir a perna bambear eu já entrei em pânico e me vi morto. Imagino o que é passar por um terremoto de verdade. Aliás, nem quero imaginar”, disse Vicente Braga Júnior, assistente de importação no setor de produtos químicos.