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O Rio de Janeiro é um Estado famoso por ter belezas naturais estonteantes, o melhor Carnaval do mundo e um povo alegre. Mas ele é, também, o maior produtor de petróleo do País – 83% do total de barris extraídos no Brasil saíram da plataforma continental do Rio. Em números, no ano passado, dos 711,8 milhões de barris extraídos, 605,2 milhões foram do Rio. Em segundo lugar, numa distância abissal, veio o Espírito Santo, com 36 milhões de barris. Nos últimos dias, porém, o Rio ficou sabendo que tirar petróleo do fundo do mar, por mais complexo que seja, pode ser mais fácil do que enfrentar o casuísmo eleitoral. Uma emenda considerada estapafúrdia acabou sendo aprovada na Câmara dos Deputados na quarta-feira 10, por 368 votos a favor, 73 contra e duas abstenções. A chamada Emenda Ibsen jorra aberrações: ao tungar os royalties do Rio, quebra a economia do Estado (pois retira, de uma só tacada, R$ 7 bilhões de sua economia anual), não melhora a vida dos Estados e municípios brasileiros que estariam na divisão igualitária dos royalties (porque daria muito pouco para cada um) e rasga a Constituição brasileira, cujo parágrafo 1º. do artigo 20 assegura aos Estados e municípios “participação nos resultados da exploração de petróleo no respectivo território, plataforma continental ou mar territorial”.

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UNIÃO
O governador Sérgio Cabral conseguiu reunir adversários na luta contra a Emenda Ibsen

A violação do pacto federativo ameaça fazer com que o ano de eleições presidenciais deixe de ser motivo de comemoração democrática para virar uma arruaça eleitoreira. Se a lei perdeu o valor, imaginem as palavras. Muitos são os ministros e emissários do governo que garantiram ter ouvido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que ele vetaria a emenda inconstitucional, caso o Senado, para onde o projeto foi encaminhado, não o faça antes. Um deles foi o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, que declarou: “Eu não posso falar em nome do Senado. Mas garanto que, se não for derrubada pelo Senado, será vetada pelo presidente.” Mas, em Amã, na Jordânia, onde estava na quintafeira 18, Lula disse que esse é um “problema do Congresso Nacional” e que “ele que resolva”. O aparente “lavo minhas mãos “de Lula veio no dia seguinte à passeata ocorrida no Rio de Janeiro e que reuniu, segundo a Polícia Militar, 150 mil pessoas – número extraordinário para um dia de chuva forte que castigava a capital na hora da maior manifestação ocorrida depois do Fora Collor, na década de 90, com a participação de líderes de diversos partidos, aliados ou não do governo, artistas e celebridades. O governador fluminense, Sérgio Cabral (PMDB), entendeu a atitude do presidente:

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MOBILIZAÇÃO
Mais de 150 mil pessoas de todo o Estado enfrentaram a chuva e foram ao centro do Rio protestar

“Ele tem razão. Mandou uma mensagem para o Congresso, passou a bola para o Congresso.” Na verdade, Lula está irritado porque a polêmica vai acabar sobrando para a candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff, à sua sucessão. Se o governo apoiar os Estados produtores, os não produtores podem hostilizar a ministra em campanha – e viceversa. “Minha vontade era não votar os royalties este ano, pois sabia que era um ano político e que em ano de eleição todo mundo quer fazer gracinha”, declarou o presidente. Temendo o impacto negativo, o Planalto montou uma estratégia de última hora para tentar apaziguar os ânimos no Congresso e reaver o controle dos projetos que compõem o marco regulatório do pré-sal. A assessores, Lula disse que o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, “cochilou” ao não reagir à inclusão da emenda que “desvirtuou” o projeto de lei original que trata do regime de partilha das áreas do pré-sal que ainda serão licitadas. “Eu avisei que iríamos propor a emenda. Eles não deram atenção, pois tinham um acordo entre si. Só que faltou combinar com os outros 400 deputados”, alfineta Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). O governador Cabral desmente: “Negociamos à exaustão. Foram criadas quatro comissões especiais para o marco regulatório; a emenda do deputado Ibsen foi debatida e rejeitada numa delas.” A questão anterior a qualquer argumentação é a da violação da Constituição.

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ALGOZ
O deputado Ibsen Pinheiro, autor da fatídica emenda, garante que o projeto foi discutido antes de ir à votação

Essa é a razão que deveria ceifar a emenda em seu nascedouro: ela é inconstitucional. Além de significar um estelionato, a Emenda Ibsen, de autoria, também, dos peemedebistas Humberto Souto (MG) e Marcelo Castro (PI), não resiste à argumentação técnica. “Não é invenção do setor de petróleo. A mineração paga royalties, a hidroelétrica paga, no mundo inteiro tem esse conceito de compensação em função dos prejuízos ambientes e sociais, das necessidades de infraestrutura e da própria atividade, que interfere na vida das pessoas”, disse David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP). “Mexer no que está acordado é a quebra do pacto federativo. Não se discutiu adequadamente o modelo, todo mundo foi em cima do dinheiro”, explicou ele. E o resultado é um prognóstico de horror para o Rio, e até mesmo para o Brasil, se for levado em conta que está sob ameaça a realização da Olimpíada de 2016 e da Copa de 2014. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, declarou “que a redução dos royalties pela exploração de petróleo vai deixar o Estado do Rio de Janeiro sem condições de fazer as obras necessárias para os Jogos Olímpicos”. Nos municípios fluminenses, o cenário é de ruína mesmo. Em Macaé – que tem a base da Petrobras ali instalada –, a receita deve cair de R$ 400 milhões para R$ 2 milhões. Campos dos Goytacazes pode perder R$ 800 milhões de royalties, ficando com apenas R$ 100 milhões.

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Cabo Frio, de R$ 120 milhões passaria para R$ 2 milhões. Angra dos Reis pode ver a receita minguar de R$ 90 milhões para R$ 3 milhões. No Estado do Espírito Santo os números são menores, mas muito significativos para a economia. Dos atuais R$ 500 milhões, os capixabas ficariam com apenas R$ 60 milhões. Tudo isso são números referentes aos poços de extração de petróleo já existentes. A intenção original do governo era criar novas regras para a exploração dos campos do pré-sal, o que ainda nem começou a acontecer. O governo não queria mexer nos royalties. Porém, o oportunismo eleitoral dos deputados criou o impasse que envolve, agora, políticos e sociedade. “O Rio já perdeu muito. Torço para que os legisladores criem uma solução que faça sentido”, disse o empresário Eike Batista. A opinião do oitavo homem mais rico do mundo coincide com a preocupação do padeiro e pescador Serafim Barreto, de São João da Barra, no norte fluminense. “Não vou ter para quem vender pão”, disse. De fato, se a arrecadação mensal de sua cidade cair de quase R$ 7 milhões para R$ 2,5 milhões, muita gente ficará desempregada, como talvez ele próprio. A mobilização em defesa do Rio uniu diversas classes sociais e também entidades de vários perfis, como a Fundação Cacique Cobra Coral, que enviou mensagem aos senadores pedindo que barrassem a Emenda Ibsen.  Quem defende a emenda tem pressa para votar.

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W.O.
Fim dos royalties ameaça a organização da Olimpíada no Rio e obras importantes para a Copa 2014

Na quarta-feira 17, os governadores do Ceará, Cid Gomes (PSB), e de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), disseram não abrir mão das regras aprovadas na Câmara, mas se mostraram dispostos a aceitar uma regra de transição para amenizar o impacto nas contas dos Estados produtores. Nesse caso, apoiaram a segunda emenda de Ibsen, que foi entregue ao senador Pedro Simon (PMDB/RS), pela qual a União teria que repassar parte de seus royalties aos Estados produtores. O senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) disse que a estratégia, agora, “é mostrar aos senadores que não é factível tirar R$ 7 bilhões de um Estado, independentemente de qualquer discussão jurídica da legalidade da Emenda Ibsen. A questão não  pode ser tratada como coisa de palanque, eleitoreira. Tanto que vamos trabalhar para que o projeto não seja votado antes das eleições”. Seu colega, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), garantiu que vai levar ao presidente Lula “a proposta da capitalização da Petrobras. Essa, sim, é urgentíssima. E ele poderia tratar da capitalização por MP e retirar a urgência dos projetos da partilha e da Petro- Sal”. Para juristas e especialistas, se a questão chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), a emenda será derrubada porque é inconstitucional.

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O entendimento foi seguido pelo procurador-geral em exercício do Rio de Janeiro, Rodrigo Tostes: “Combater o direito do Estado do Rio sustentando que o petróleo está no mar é juridicamente falso.” Até então silencioso sobre o tema, o governador de São Paulo, José Serra, criticou a emenda na quarta-feira 17. “Acho uma preocupação correta ter os benefícios do petróleo distribuídos para todo o Brasil, mas acho que o projeto, do jeito que está, arruína o Rio de Janeiro e o Espírito Santo. Portanto, é inaceitável nesses termos”, afirmou. Também o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PMDB), manifestou desagrado com a Emenda Ibsen: “De maneira nenhuma pode haver perdas para o Rio de Janeiro e para o Espírito Santo."

“NINGUÉM VAI TER VOTO ROUBANDO DO RIO”

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ISTOÉ — O deputado Ibsen Pinheiro disse que não houve negociação.
Sérgio Cabral — Imagina! A emenda dele foi debatida e rejeitada na comissão que cuidava da partilha.

ISTOÉ — Então, como chegou a ser votada?
Cabral — Na última hora, um engraçado foi lá e criou um furor distributivista, um precedente perigosíssimo, além de ilegal e  inconstitucional. Um desrespeito ao principio federativo absurdo. Foi um momento febril de falta de lucidez que pode ser retificado pelo Senado, uma sucessão de equívocos. Foi a marcha da insensatez.

ISTOÉ — Até que ponto isso é pirotecnia eleitoral?
Cabral — Fiquei muito triste e me emocionei muito porque brigamos tanto pela democracia e acontece uma barbaridade dessa. Agora, o deputado Ibsen está dizendo: “Pega o que eu tentei garfar do Rio e vamos garfar da União.” Sou contra também porque continua invadindo um direito constitucional. Ninguém vai conquistar voto porque roubou do Rio de Janeiro.

ISTOÉ — O sr. confia na reversão?
Cabral — Claro. O Senado é a casa revisora, a casa da federação. É uma oportunidade de mostrar ao Brasil sua eficácia, seu papel constitucional, seu protagonismo democrático. O presidente do Senado, José Sarney, me ligou prestando solidariedade e disse que não admitiria isso.

ISTOÉ — O que achou da declaração que o presidente Lula deu na Jordânia sobre o caso?
Cabral — Isso é tudo o que um presidente da República pode dizer antes que o problema esteja realmente em sua mesa.

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