FOTOS: CLEIBY TREVISAN/AG. ISTOÉNão fosse pelo nome – Faculdade de Teologia Umbandista (FTU) –, a fachada da instituição de ensino, localizada em São Paulo, não seria motivo de estranheza. Do lado de dentro da portaria de entrada, o pátio arborizado, a biblioteca com três mil volumes e a lanchonete com café expresso – e do bom – também não fogem do padrão tradicional. É nas salas, porém, que a coisa começa a ganhar outros ares. Os cerca de 150 alunos assistem às aulas descalços – sapatos, tênis, mocassins e sandálias ficam enfileirados do lado de fora da porta. Entrar lá é como pisar em um terreiro, o ambiente sagrado da umbanda, a primeira religião surgida no Brasil, há 99 anos. Perto do quadro negro, um incenso queima enquanto o professor, de túnica, ensina ao lado de um atabaque encostado na parede. Há ainda, entre os corredores da faculdade, três altares e uma imagem de um caboclo, a entidade mais representativa da religião.

É desta faculdade que, no final do ano, sairão os primeiros cinqüenta teólogos umbandistas do País. O curso, com duração de quatro anos, é autorizado pelo Ministério da Educação (MEC) desde 2003. E a FTU, a única entre as 21 faculdades de teologia credenciadas pelo órgão federal fora da tradição judaico-cristã. Com caderno sobre a carteira e caneta em mãos, os alunos aprendem tudo sobre o processo ritualístico da religião, tanto no aspecto prático quanto no simbólico. Tocam agogô – a faculdade tem um acervo de quatro mil discos de músicas de umbanda, candomblé, capoeira e outras práticas – e preparam ervas para defumação, mas não só isso.


TRADIÇÃO “Quero entender os porquês e não só praticar”, diz o aluno Maurício Caldeira

Há aulas de filosofia, antropologia, arte, lógica, entre outras disciplinas. Ou seja, a grade curricular da FTU não visa à formação de pais e mães-de-santo, apesar de capacitar os universitários também para a função. Isso fica claro no vestibular, que segue o padrão de universidades tradicionais. Existem questões de conhecimento geral, matemática, química e física. E não há perguntas específicas sobre orixás ou entidades da religião. O MEC, para conceder a licença à FTU, avaliou a proposta pedagógica, as instalações e o currículo dos professores. “Não queremos que o profissional viva da umbanda, mas para a umbanda”, conta Roger Soares, um neurologista do Hospital Beneficência Portuguesa, mestre em educação pela USP e professor da FTU. “Queremos formar gente para aprender a umbanda, juntar os

conhecimentos que estão dispersos e divulgá-la.”É com esse intuito que Maurício Caldeira, formado em ciências contábeis, freqüentava a aula de hermenêutica (interpretação de livros sagrados) do quarto ano, na segunda-feira 12. “Não faço o curso com o objetivo profissional de ganhar dinheiro com o canudo nas mãos”, diz ele, de terno e gravata – e descalço. Com 30 anos, Maurício freqüenta um centro há dez e diz que compartilha no terreiro os ensinamentos da faculdade: “Quero dar sustentação ao que eu acredito. Não só praticar, mas entender os porquês.” No escritório de contabilidade onde ele trabalha, as pessoas, depois de um estranhamento inicial, já sabem que o colega não freqüenta a faculdade para se formar pai-de-santo profissional.

PÉ NO CHÃO Ao lado de um altar, alunos aprendem filosofia, antropologia e também a tocar instrumentos e preparar ervas para defumação

Ao todo, a FTU possui 150 alunos matriculados em quatro turmas. A mensalidade custa R$ 340. Todos os 15 professores possuem graduação em alguma faculdade convencional. Há, por exemplo, um livre-docente em engenharia de alimentos pela Unicamp e um professor de psiquiatria da USP lecionando na FTU – todos com ligações com a umbanda. Dos alunos, 99% são adeptos da religião. Criada no catolicismo e ex-seguidora do hinduísmo, Silvia Garrubo, 46 anos, é umbandista há dez anos. Formada em letras pela USP e coordenadora de um departamento no Instituto do Coração, em São Paulo, ela pensa, com o canudo em mãos, discutir políticas públicas e dar palestras.

Aprendo as várias linguagens desse grande guarda-chuva com várias hastes que é a umbada”, diz ela sobre a religião, que foi influenciada pelo espiritismo, catolicismo e por tradições africanas. Na semana passada, Silvia deu um grande passo para se tornar uma das primeiras teólogas umbandistas do País. Saiu-se muito bem no trabalho de análise crítica de livros umbandistas, apresentado por ela em uma sala, ao lado de um altar – e descalça.

JESUS TAMBÉM ENSINA
No começo do ano, a Faculdade de Teologia Evangélica (Fatev), em Curitiba, ganhou a chancela do MEC para o curso de teologia evangélica com ênfase em missão urbana. A instituição é setorizada e não ministra outro curso. Ela capacita os alunos, após quatro anos em sala de aula, a atuar como pastores, missionários e capelães. “Não queremos que o aluno seja um anônimo como acontece em grandes universidades, com cursos diversos”, explica Martim Weingaertner, diretor da Fatev. Segundo ele, há uma crise no modelo de trabalho da igreja, que se desestruturou quando o culto deixou de ser praticado, na sua maioria, na esfera rural e se instalou nas grandes cidades. É esta lacuna que a Fatev quer preencher.

Um dos desafios dos alunos, com o canudo na mão, será resgatar dependentes químicos, alcoólicos e pessoas em crise familiar para a vida em comunidade. De preferência, claro, sob os princípios evangélicos. Trinta e dois alunos entre 17 e 56 anos – apenas um católico – cursam o primeiro ano. A mensalidade custa R$ 530 e metade deles obteve bolsa. A instituição é fiadora de alunos que moram em repúblicas próximas a ela. “Quero desenvolver um trabalho missionário como diretor de acampamento”, diz Ruben Thibm, de 21 anos.