Um poço à frente, dois passos atrásDurante a ditadura instalada em 1964 houve um sentimento que uniu comunistas que combatiam o regime e militares que estavam no poder: o nacionalismo exacerbado, que tinha num dos seus principais símbolos a defesa do monopólio da exploração de petróleo. Mesmo depois da redemocratização do País, por todo o governo José Sarney, o setor, no então Conselho Nacional de Petróleo (CNP), foi comandado por militares. Hoje, o CNP foi substituído pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), e os militares agora estão longe do setor. Mas foram substituídos exatamente por um comunista, o ex-deputado baiano Haroldo Lima, do PCdoB.

E é com Lima que retorna o arroubo nacionalista, após o anúncio da descoberta da reserva gigante na Bacia de Santos. A reserva tem um potencial de óleo – leve, de excelente qualidade – equivalente a 80 bilhões de barris. Quando explorada, poderá alçar o Brasil de 24º para a posição de 9º maior produtor de petróleo no mundo. Diante de um cenário que ainda pertence a algum momento do futuro sem qualquer previsão sobre quando exatamente se dará – ou mesmo se se dará assim –, pesou a ideologia nacionalista. Sob o pretexto da defesa dos interesses nacionais, de um risco de que o lucro da exploração acabasse em mãos internacionais, Lima pensou em mudar as regras do jogo.

Logo depois de anunciar a descoberta da reserva de petróleo, ainda na quinta- feira 8, o governo resolveu rever a nona rodada de licitações para concessão de áreas de petróleo e gás. Retirou 41 dos 312 blocos previstos no leilão, justamente aqueles que se encontram na região da Bacia de Campos, para estabelecer regras específicas diferentes para eles. Em reunião naquela quinta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se deixou levar pelo sentimento nacionalista. “Temos de olhar o interesse nacional acima de todos os outros”, defendeu o presidente. No início da semana passada, Lima apresentou a sua idéia de solução. Sugeriu alterar o marco regulatório da exploração do petróleo.

Em 1997, o governo Fernando Henrique Cardoso alterou a lei que definia o monopólio, permitindo a concessão de áreas a empresas estrangeiras. Por essa modalidade, as empresas assumem os riscos da prospecção e os investimentos. Se nada encontrarem, o prejuízo é delas. Se tiverem sucesso, passam a ter a propriedade do óleo encontrado e pagam à Petrobras royalties pela exploração. Lima sugeriu a alteração, estabelecendo no marco regulatório uma nova modalidade de contrato, de partilha de produção. Por essa modalidade, a empresa igualmente arca com os riscos e custos da prospecção. Mas se inverte a lógica quanto aos lucros da exploração: a empresa estrangeira recupera os investimentos que fez e ela é quem passa a receber apenas um porcentual da produção. O raciocínio de Lima é que é esse o tipo de contrato existente em países onde o risco de exploração é baixo, caso da Venezuela e de nações do Oriente Médio.

Ocorre, porém, que a descoberta das novas reservas de petróleo só é de fato uma novidade no marketing do governo federal. O potencial da região é conhecido desde 2000. Não por acaso, o anúncio coincidiu com um momento em que o governo lidava com um risco real de colapso energético e isso podia afetar a imagem de uma das principais apostas do governo. “Além disso, o petróleo existe de fato, e isso deve ser comemorado, mas nós ainda não possuímos a tecnologia para explorar o óleo em regiões tão profundas, nem temos ainda idéia de qual será o real custo disso”, comenta o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA).

NELSON PEREZ/VALOR/RJ

PASSADO Lima quer mudar a regra do jogo e pode fazer o Brasil retroceder

A idéia de mudança no marco regulatório provocou reações. Já diante da suspensão do bloco de licitações que atuaria na região do supercampo de petróleo, empresas começaram a considerar a hipótese de desistir de participar da nona rodada. A preocupação diante da possibilidade de mudança do modelo assustou ainda mais os possíveis investidores. “Investimento é o que estamos aqui para fazer, mas existe certa preocupação com a mudança de modelo, isso gera uma situação de insegurança”, reclamou o presidente da Statoil Hydro do Brasil, Jorge Camargo.

Na terça-feira 13, Haroldo Lima esteve no Senado para ser sabatinado pelos senadores, que ratificariam a sua presença na ANP. Ali, pressionado, Lima recuou da idéia de mudar o marco regulatório. “Não é preciso mudar a lei”, disse ele. O que não significa, no entanto, que não haverá regra diferente para a exploração na região. “A forma de exploração dos 41 grupos excluídos da nona rodada será definida pelo Ministério das Minas e Energia, e a ANP dará as suas sugestões”, completa Lima. Ele agora defende uma mudança que não altera a lei, mas que impõe um naco maior de repasse de quem explorar petróleo ali. A lei já estabelece a possibilidade de um royalty adicional para aquelas empresas que exploram o óleo em áreas de alta produtividade. Pelas regras atuais, de um total de 10%, tal porcentual pode pular para até 40% nessas regiões. O que Lima imagina é ampliar essa porcentagem nas novas áreas de altíssima produtividade da região da Bacia de Santos para até 80%.