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A VÍTIMA Mercadante nega que tenha desprezado documentos na CPI dos bancos

O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) está furioso. Nas últimas semanas começaram a circular notícias de que durante a CPI dos Bancos, em 1999, ele teria simplesmente ignorado uma série de documentos e com isso evitado que as investigações fossem aprofundadas. Entre a papelada estaria uma relação de bancos que, a exemplo do que ocorreu com o Marka e o FontCindam, também teriam sido beneficiados com dinheiro público em razão da desvalorização do real diante do dólar. Mercadante descobriu que a notícia tinha origem na Itália. Fora disseminada pelo ex-banqueiro Alberto Salvatore Cacciola por intermédio de seus advogados. "Não recebi nenhum documento do Cacciola e não sentei em cima de investigação nenhuma, muito pelo contrário. A única pessoa que falou dos beneficiários do socorro aos bancos fui eu", reage o senador. "Essas informações são ameaças, talvez sejam vingança do Cacciola, uma vez que eu fui um dos autores da denúncia que o levou à prisão. Se ele tem algo a dizer, que diga logo", desafia Mercadante.

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OS TUCANOS Depois de duas reuniões, FHC e Madeira afirmam nada temer. Paulo Renato (à esq.) diz que o PSDB nada pode fazer

Cacciola é um arquivo que vez ou outra ameaça se abrir. Ex-dono do banco Marka, ele protagonizou um dos momentos mais críticos do governo de FHC, em janeiro de 1999, quando houve a queda do real. Na época, sob a alegação de evitar uma quebradeira geral, o então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, vendeu dólar mais barato aos bancos Marka e FonteCindam, causando um prejuízo de cerca de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos. Foragido da Justiça brasileira, o ex-banqueiro está condenado a 13 anos de prisão por desvio de dinheiro público e gestão fraudulenta de instituição financeira. Em setembro, ele foi preso pela Interpol no Principado de Mônaco. Poderá nos próximos meses ser extraditado para o Brasil e aqui irá cumprir sua pena na cadeia. Desde sua prisão é que, a exemplo do que ocorre com Mercadante, alguns políticos brasileiros têm recebido recados ameaçadores.

As chantagens de Cacciola atingem principalmente políticos do PSDB. A esses, o ex-banqueiro avisa que teria em seu poder documentos que comprovariam a existência de um esquema de venda de informações privilegiadas sobre juros e câmbio, pelo então presidente do BC, Francisco Lopes, e estaria disposto a envolver pessoas que ainda não foram citadas no escândalo. A chantagem seria semelhante à que Cacciola supostamente teria feito na época da desvalorização do real, para obter em 1999 o socorro ao Marka. Ele ameaça contar detalhes à Polícia Federal, caso seja extraditado, em busca da delação premiada. "Este caso está na Justiça. Não há nada a acrescentar", disse Francisco Lopes à ISTOÉ.

"Qualquer bandido pode acusar qualquer coisa. O que importa é a veracidade da denúncia", considera o senador Arthur Virgílio, líder do PSDB no Senado. "Não estamos preocupados. Que poder nós temos hoje para ajudálo?", questiona o deputado Paulo Renato (PSDB-SP), ex-ministro da Educação de FHC. São respostas que transmitem tranquilidade, mas as ameaças chegaram a ser motivo de pelo menos duas reuniões convocadas pelo ex-presidente Fernando Henrique.

Entre os dias 17 e 30 de setembro, FHC reuniu, em duas ocasiões, parlamentares do PSDB em São Paulo. Em um dos encontros, o ex-presidente transmitiu o recado: "Para nós é até bom que ele venha e conte. Se tiver que falar, fale. Se tiver coisas condenáveis, que fale", afirmou o ex-presidente. Um dos parlamentares presentes ao encontro, o deputado Arnaldo Madeira (SP), ex-líder do governo FHC na Câmara, confirmou o teor do encontro e se diz imune a qualquer acusação. "Eu, particularmente, não perco um minuto de meu sono com o Cacciola", afirmou.

O advogado de Cacciola no Brasil, Carlos Ely Eluf, nega as ameaças e diz que isso prejudicaria seu cliente. Mas admite que o ex-banqueiro é, hoje, uma pessoa amargurada. "Ele está revoltado. Indignado com isso tudo", pondera. Tanto rancor guardaria uma explicação. Cacciola considera-se vítima de um grande complô formado com o único propósito de condená-lo. Em Roma, onde vivia desde 2000, o ex-banqueiro experimentava uma "dolce vita". Morava, desde 2003, em um hotel quatro-estrelas, montado por ele, na Via Petroselli, centro histórico da cidade, ao lado do Coliseu. O retorno ao Brasil pode representar a volta de um de seus pesadelos mais recônditos, que parecia esquecido. O pior deles vivido numa manhã de junho de 2000, quando o banqueiro despertou no chão de uma cela mal-cheirosa, em uma prisão num subúrbio do Rio de Janeiro.

RICARDO STUCKERT

O ACUSADOR Cacciola diz que Mercadante ignorou lista de bancos favorecidos pelo governo