CLAUDIO GATTI/AG. ISTOÉ

ESCADINHA Há características identificadas com a posição de cada filho no núcleo familiar

Na vida selvagem, ser o primeiro filho no meio da ninhada é uma vantagem competitiva. É ele que recebe os alimentos mais nutritivos e a maior atenção dos pais. Não é à toa, portanto, que outro filhote se lance contra o irmão e usurpe o lugar a bicadas e mordidas. Afinal, assumir tal posto permite que o animal cresça mais forte e saudável. Entre os humanos, a posição que cada filho ocupa na “escadinha” familiar também pode ter impacto sobre os indivíduos. Isso está associado a disparidades na maneira como os pais tratam seus herdeiros, acarretando diferenças no comportamento dos pequenos. É o que sustenta o psicólogo americano Frank Sulloway, do Instituto de Pesquisas Sociais e de Personalidade, ligado à Universidade da Califórnia. Ele é a estrela de um debate que vem se intensificando na ciência: a importância da ordem de nascimento. “Hoje há mais estudos sendo feitos a esse respeito do que nos anos anteriores. Gosto de pensar que minhas idéias ajudaram a reavivar o interesse pelo tema”, afirma.

TRIO O primogênito tende a ser mais racional. É o caso de Pedro. O caçula, como Tomás, é criativo. O segundo filho, Luísa, fica no meio-termo

Sulloway, também um dedicado estudioso da teoria evolucionista de Charles Darwin, costuma traçar paralelos entre a rivalidade dos animais na natureza e o comportamento humano. De acordo com ele, os filhos menores procuram se diferenciar do primogênito para obter o máximo de benefícios do ambiente que os cercam. Já que o primeiro é o primeiro, os demais têm de competir com o mais velho e angariar as atenções paternas por meio de outros artifícios, como o bom humor e o arrojo nos esportes. Autor do livro Born to rebel (Nascido para rebelar-se, em tradução livre), Sulloway assegura que os primogênitos tendem a ser conservadores e os que vêm depois levam a vida menos a sério. O caçula, aliás, tem um pendor à rebeldia por não querer seguir um possível roteiro desenhado pelos pais. Roteiro que o filho mais velho normalmente aceita. O psicólogo, por sinal, foi o caçula de três irmãos durante nove anos. Até que a família ganhou mais um filho, fruto de um novo casamento.

FAMÍLIA A top Gisele Bündchen (deitada no chão) tem cinco irmãs. Patrícia, sua gêmea, diz que Raquel é a mais estudiosa. Já Rafaela, a menor, é mais “avoada”

As características descritas conferem com as personalidades dos atores Selton Mello, primogênito, e Danton Mello, caçula. “Eu sou mais relaxado e sossegado do que o Selton”, conta Danton, dois anos mais jovem. Ele é adepto dos esportes, ao contrário do irmão. Rebeldia? “O rebelde era eu”, lembra. Danton, no entanto, diz que não sofreu com a competição. “A gente pode ter tido uma briga ou outra por causa de brinquedo, essas coisas de moleque. Mas sempre tivemos uma relação muito próxima. Tenho admiração por meu irmão”, emenda. Pai de duas meninas, ele nota que esses traços também batem com os das pequenas Luísa, seis anos, e Alice, quatro. Danton descreve a mais velha como racional e tranqüila. A pequena é extrovertida e agitada. “Vou prestar mais atenção nisso”, emenda.

As características descritas conferem com as personalidades dos atores Selton Mello, primogênito, e Danton Mello, caçula. “Eu sou mais relaxado e sossegado do que o Selton”, conta Danton, dois anos mais jovem. Ele é adepto dos esportes, ao contrário do irmão. Rebeldia? “O rebelde era eu”, lembra. Danton, no entanto, diz que não sofreu com a competição. “A gente pode ter tido uma briga ou outra por causa de brinquedo, essas coisas de moleque. Mas sempre tivemos uma relação muito próxima. Tenho admiração por meu irmão”, emenda. Pai de duas meninas, ele nota que esses traços também batem com os das pequenas Luísa, seis anos, e Alice, quatro. Danton descreve a mais velha como racional e tranqüila. A pequena é extrovertida e agitada. “Vou prestar mais atenção nisso”, emenda.

RENATO VELASCO/AG. ISTOÉ

HUMOR Para Ziraldo (de branco, entre os irmãos, o pai e o avô), o segundo filho é esmagado pelo primeiro e tem ciúmes do menor. O caçula recebe broncas. O primogênito tem cadeira única

De fato, a chegada de novas pesquisas sobre a ordem de nascimento pode ajudar os pais a compreender melhor seus filhos. Permite, por exemplo, esclarecer à família que a natureza do primogênito não o predispõe a ser tão brincalhão como o menor dos irmãos. Por que, então, cobrar dele que seja mais atirado? É evidente que outros fatores, como o status social e o grau de escolarização da família, contribuem para a formação da personalidade das crianças. A proliferação dos estudos, no entanto, contribui para o entendimento de que cada filho é realmente diferente do outro. E resultados para indicar essas nuances não faltam.

Uma estimativa aponta que mais de dois mil trabalhos já foram publicados a respeito da ordem de nascimento e seus efeitos sobre as habilidades e o jeito de ser das pessoas. Um dos mais recentes é a análise dos dados de aproximadamente 250 mil recrutas das Forças Armadas Norueguesas. O pesquisador Petter Kristensen, do Instituto de Saúde Ocupacional da Noruega, avaliou exames de saúde e testes de QI aplicados a esses jovens e separou os resultados conforme a posição ocupada na família. Ele descobriu que os primogênitos ou os que acabaram ocupando o posto do primeiro filho (em caso de morte precoce do irmão mais velho) apresentaram QI com 2,3 pontos a mais do que os segundos filhos. Eles, por sua vez, têm 1,1 ponto a mais no QI do que os terceiros filhos. Os que nasceram primeiro seriam, então, mais inteligentes? Não exatamente. A metodologia empregada por Kristensen mostra que a primogenitura, em si, não é a razão do QI mais elevado. O que faz diferença, no caso, é o envolvimento que o mais velho tem com os irmãos menores. É o convívio com os pequenos – que estão em fases anteriores de aprendizado – que o faz treinar mais seus conhecimentos.

Ter adicionado ao trabalho a verificação da morte precoce dos primeiros filhos contribuiu para esse achado. Segundo Kristensen, o efeito da interação social na família resultou em escores superiores no caso do segundo filho que perdeu cedo o irmão mais velho, em comparação ao sujeito que ocupava o segundo lugar tanto no ranking biológico quanto no social. Apesar de todos os cuidados tomados pelo pesquisador, o trabalho suscita polêmica. Muitos especialistas não consideram relevantes os testes de QI. “Fazer afirmações sobre um filho ser mais inteligente do que o outro só porque nasceu antes é muito controverso. Não se pode esquecer que as características de uma criança vêm em parte da genética e em parte pela interação com o meio ambiente”, diz o pediatra Eduardo Troster, de São Paulo. A ginasta Daniele Hypólito, a segunda dos três filhos de dona Geni, é unanimidade na família: as melhores notas no colégio são dela. “Dos três, a Dani sempre foi a melhor na escola”, conta a mãe. Diego, o caçula, concorda. “Ela é a mais correta de todos. Faz o que tem de fazer. Eu sou mais hiperativo”, brinca o atleta. Édson, o mais velho, é tido como o conselheiro, o que pondera e sempre é ouvido. “Cada um tem sua característica. Mas sou mais parecida com o Édson no jeito de pensar”, acrescenta Daniele. Entre os Bündchen, a história é outra. “Nossa, a Raquel é a mais velha e a mais inteligente”, surpreende-se Patrícia, gêmea da top Gisele Bündchen. “E a Rafaela é a mais avoada”, ri, referindo-se à menor das seis filhas.

Se as notas são tão melhores ou não, isso não chega a fazer diferença entre os irmãos que querem competir com os mais velhos na escola. Uma recente pesquisa de mestrado comandada pela psicóloga Julia Badger mostra que os filhos menores estabelecem uma certa rivalidade com os mais velhos. “Eles querem provar que têm algo a mais, enquanto os primogênitos têm na cabeça que estão anos à frente de seus irmãos”, explica Julia. Ela aplicou um teste-padrão de personalidade entre estudantes com apenas um irmão. Apesar de não ter estudado irmãos do meio, a psicóloga acredita que eles seriam rivais “acadêmicos” dos primogênitos, com a vantagem de se beneficiar da interação com os mais jovens. “Diferenças de idade podem também ter um grande efeito sobre a sensação desse tipo de rivalidade.”

Há mais estudos que surpreendem pelas conclusões. Um trabalho sugere que o lugar na família pode exercer até mesmo um certo peso no aspecto financeiro. Segundo Sandra Black, professora de economia da Universidade da Califórnia, os primogênitos têm probabilidade de ganhar mais dinheiro do que seus irmãos, enquanto os rendimentos dos filhos menores caem 1% a cada degrau na “escadinha”. Uma das razões desse fenômeno seria o fato de o filho mais velho normalmente ter mais oportunidades de estudar em uma boa escola ou em situações mais favoráveis. Isso porque os pais não têm despesas com a educação de outras crianças, o que permite pagar um colégio melhor e dedicar mais atenção ao seu desenvolvimento. A chegada do segundo filho leva a uma partilha do orçamento, além da divisão nos cuidados. Com duas crianças ou mais, é natural que os pais enfrentem dificuldades maiores para ajudar os herdeiros nas lições. Outra explicação para as diferenças nos ganhos financeiros pode estar no gosto pelos riscos. Os primeiros filhos não são propriamente os mais ousados da família. Dados preliminares de um estudo americano com 300 atletas mostra que os primogênitos se destacam em habilidades que requerem menos risco físico. Os mais novos se saem bem nas jogadas mais perigosas. Trabalhos anteriores já sugeriam isso.

Aplicando-se esse conceito para a vida empresarial, seria de se esperar uma atitude mais arrojada entre os filhos menores. Uma pesquisa da New York University feita com CEOs de grandes companhias corrobora essa teoria. O estudo, conduzido pelo professor de psicologia organizacional Ben Dattner, revela que os executivos que são primogênitos procuram fazer aprimoramentos nas empresas, cobrando pontualidade e cumprimento de metas, entre outros itens. Os que não são primogênitos gostam de fazer transformações e partem para inovações. Os caçulas, principalmente, são os visionários. Normalmente, esbanjam criatividade. Que o diga a artista plástica Sílvia Mendes Correia, mãe de Pedro, 12 anos, Luísa, dez, e Tomás, sete. Os filhos são pequenos, é verdade, porém demonstram preferências por algumas profissões. O mais velho é pé no chão, como define Sílvia. Planeja ser médico ortopedista. Luísa fica no meiotermo. Está entre ser bailarina, uma opção clássica das meninas, ou artista de circo. “Perguntei para o Tomás o que ele quer ser quando crescer. A resposta foi simples: ‘Quero ser passarinho’”, diverte- se. Sílvia diz que o caçula é o mais independente e não se incomoda com nada. “Ele vive se metendo em encrencas, mas está sempre na boa.”

De tudo, o mais importante é não deixar de ser justo no tratamento com os filhos. Para a psicanalista Ana Olmos, especializada em crianças e adolescentes, é preciso que os pais tenham uma boa percepção da personalidade dos filhos. Especialmente os do meio, também chamados de filho sanduíche. “Ele está apertado entre o primeiro e o terceiro. Se o caçula for muito mimado, ele dança mesmo. Fica sem lugar”, observa. O cartunista mineiro Ziraldo, 75 anos, concorda, mas do alto de sua experiência consegue extrair humor das “coisas da vida”, como diz. “Em geral, o segundo filho fica esmagado pelo primeiro e tem ciúmes do menor. O caçula é o mais mimado, é aquele que recebe bronca dos irmãos mais velhos, os mesmos que depois passam a mão na cabeça dele. E o primogênito é quem está lá na frente, que tem uma cadeira que é só dele.” Ziraldo é o primeiro dos sete filhos de seu Geraldo e dona Zizinha. Nasceu estrelado. “E tem como concorrer com ele? É o primeiro filho, o primeiro neto, o primeiro sobrinho e tirou todos os primeiros lugares da escola”, recorda-se, entre risos, o artista plástico Zélio, o terceiro. Com um exemplo desses, ficaria difícil pensar em posição melhor do que a do primogênito. Mas a diretora de filmes Fabrizia Pinto, filha do meio de Ziraldo, nem se preocupa com isso. “Os pais colocam muita expectativa sobre o primeiro, que se apega às responsabilidades. O filho menor fica meio abandonado, já que todos estão cansados. O segundo filho vem com a porteira aberta. É mais livre”, garante. Fabrízia é irmã da cineasta Daniela Thomas e do compositor Antônio Pinto, o caçula.

Ou seja, o que vale mesmo é respeitar as diferenças de cada filho, seja ele quieto ou agitado, primogênito ou caçula. É o que faz a empresária Suzi Cocenza, de São Paulo. Ela é adepta da antroposofia, uma doutrina criada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner que aborda o indivíduo como um ser constituído de corpo, mente e alma. Segundo esse conceito, o primogênito está mais ligado à razão, o segundo filho, à emoção, e o terceiro, ao movimento. A partir do quarto filho, as relações se repetem. Lorenzo, o filho mais velho, tem oito anos e já leu oito livros neste ano. Laura, seis, é mais sensível e se magoa com facilidade. Dante, três anos, não larga a bola de futebol. Brinca sozinho, se precisar. E Bento, perto de cumprir dois anos, está de olho em tudo. É curioso e risonho. “Entendo mais os meus filhos”, afirma Suzi.