O nome do escritor inglês George Orwell sempre foi associado, por razões óbvias, ao seu livro mais conhecido, 1984, no qual descreve um mundo aterrorizante, dominado pelo onipresente Grande Irmão, o tal Big Brother. Não são poucos os que lhe atribuem uma imaginação privilegiada. Afinal, esse clássico, visto como uma ficção científica, foi escrito no final dos anos 40 e desenha um cenário de distopia política projetado a partir das experiências comunistas e nazistas. Mas dois livros recém-lançados de Orwell, Na pior em Paris e Londres (Companhia das Letras, 256 págs., R$ 39,50) e Lutando na Espanha (Editora Globo, 400 págs., R$ 45), com memórias de sua participação na guerra civil espanhola, mostram que ele chegou à sua versão negra do futuro não pela imaginação e sim através de uma forte vivência da realidade.
George Orwell é um pseudônimo – na verdade, ele se chamava Eric Arthur Blair. Nascido na Índia em 1903, era filho de um modesto funcionário público, mas freqüentou as melhores escolas inglesas. Em vez de seguir o caminho natural para Oxford ou Cambridge, alistou-se na polícia colonial britânica, servindo cinco anos na Birmânia, período em que escreveu alguns contos e rascunhos aproveitados mais tarde. De volta à Inglaterra, enojado com a forma como seu país tratava suas colônias, decidiu pedir baixa e dedicar-se à literatura. Mas não era qualquer literatura. Ela nascia de suas visitas costumeiras ao submundo do East End londrino, onde se aproximou dos despossuídos.
Insatisfeito com a proximidade da família, Orwell radicalizou de vez e mudou-se para Paris. Na capital francesa ele tentou sobreviver vendendo textos. Mas acabou na miséria. É sobre esses anos de mendicância que trata Na pior em Paris e Londres, lançado em 1932 sob o pseudônimo famoso, nunca mais abandonado. Seu inconformismo aproximou-o da ideologia comunista. Foi quando decidiu ir defendê-la na Espanha, mergulhada em uma guerra civil. Acompanhado da mulher, Eillen, o escritor chegou a Barcelona nos últimos dias de 1936 jurando “matar pelo menos um fascista”. De fato, ele chegou a combater em Aragão, sendo ferido por uma bala perdida.
Literariamente a experiência foi rica. A presente edição de Lutando na Espanha traz Homenagem à Catalunha (1938), Recordando a guerra civil espanhola (1942), com 60 textos, e Orwell na Espanha, um apanhado em ordem cronológica de outros 25 textos. Todos em nova tradução. É fascinante como Orwell deixa transparecer sua transformação ideológica de antifascista para antiimperialista e, gradativamente, para anti-stalinista. E tudo isso sem perder a elegância e a atenção aos detalhes – algo incrível, uma vez que todas as suas anotações foram confiscadas e ele teve de se valer da memória. Diante desses dois livros chega a ser injusto que George Orwell seja mais lembrado como o autor de 1984. Sua obra de escritor-jornalista é igualmente vigorosa, e isso muito antes de se falar em new journalism.

 


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