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A promotora de vendas Simone Cassiano da Silva, 29 anos, acorda diariamente às seis da manhã em uma cela do presídio feminino Estevão Pinto, em Belo Horizonte, repetindo uma frase em que poucos acreditam: “Eu não sou um monstro, não queria matar minha filha.” Simone recebeu ISTOÉ e aceitou falar da manhã do sábado 28 de janeiro, um dia que chocou o País. Naquela manhã ensolarada, sua filha, com pouco mais de dois meses, foi milagrosamente resgatada com vida de dentro de uma saco plástico que boiava nas águas poluídas da lagoa da Pampulha. A pequena sobrevivente recebeu da mãe ao nascer o nome Yara, uma deusa indígena, metade peixe, metade mulher, também conhecida como “Mãe das Águas”.

“Hoje tomo fortes doses de antidepressivos para conseguir dormir. Não sou uma criminosa e quero minha filha de volta”, anuncia. “Suspeito que foi corrupção. Deram Yara para outra família, mudaram até o nome dela. Não levaram em consideração que ela tinha família” afirma. Simone, que é mãe de outra menina de 11 anos, não aceita a versão da polícia, que concluiu ser ela a autora do crime. Num choro contido, explica: “Eu sei que errei ao entregá-la a um casal na rua. Estava desesperada. Não tinha condições psicológicas para cuidar dela. Eu já vinha de uma depressão e a gravidez piorou tudo”, avalia. O maior problema de Simone, que será levada ao tribunal do júri por tentativa de homicídio, é provar sua versão. O casal que teria recebido a criança jamais foi encontrado.

“Meu remorso é muito grande. Na hora em que eu vi as cenas na tevê fiquei louca. Yara não se mexia. Achei que ela estava morta”, relata, para em seguida completar: “Meu namorado, Gerson, assistia às cenas ao meu lado e dizia: ‘Que horror, não gosto de ver essas coisas!’ Foi o suficiente para me dopar de remédios e dormir”, relembra. “Em momento algum neguei que tenha dado Yara. Mas eu jamais jogaria a menina na lagoa. Eu a teria deixado no hospital.” Simone deu entrada no Hospital Odete Valadares, sangrando muito no dia 3 de novembro às 21h45. “Eu já tinha passado por uma gravidez extra-uterina, por isso acreditei estar vivendo a mesma coisa. Eu não sabia que estava grávida.” Mas Yara veio ao mundo 43 minutos depois. “Ela nasceu prematura. Não contei nada ao Gerson porque ele não queria ter filhos. Visitei minha filha na UTI todos os dias
e ele não sabia de nada. Eu comprava o leite porque não queria que ela fosse amamentada por outra mãe”, confessa.

“Ela mentiu porque o filho não era de Gerson. Não tenho dúvidas de que foi ela a autora do crime”, diz Hélcio de Sá, o delegado do caso. Os exames de DNA, de fato, confirmaram que Yara não era filha do namorado. Simone não explica a contradição, prefere investir na recuperação da guarda da menina, apesar das acusações de ter cometido um crime. “Dois dias depois dessa tragédia, quando eu já estava presa, minha mãe pediu a guarda da criança. E seu pedido nunca foi apreciado.” Promotores do Ministério Público mineiro entendem que houve falhas no processo de guarda provisória da criança, mas eles preferem não torná-las públicas.

“Passo o meu tempo na cadeia lendo livros kardecistas. Como sou espírita há 13 anos entendo que isso é uma coisa que eu tinha que passar.” Carma ou não, é curioso que a pequena Yara tenha uma história igual à de Simone. “Quando nasci, fui dada pela minha mãe biológica a uma pessoa da rua. Fui fruto de um romance do meu pai com uma amante. Essa mãe de que falo tanto, que cuidou de mim, cuida da minha filha mais velha e quer cuidar de Yara, é a mulher de meu pai até hoje.” Simone busca trilhar o mesmo caminho de seu pai quando soube que ela tinha sido entregue a outra família. “Ele entrou na Justiça um ano e meio depois que nasci e conseguiu me ter de volta.”

São poucas as visitas que Simone recebe. O pai e o irmão são presenças constantes. “Eu não quero que minha mãe de criação e minha filha me vejam nessa situação. A situação a que se refere Simone é, para médicos e especialistas, conseqüência de tragédias provocadas por perturbações pós-parto. Estima-se que 15% das mães das 7.718 crianças que nascem vivas diariamente no País são vítimas desses transtornos psicológicos. Desse universo, 57 mães podem até matar seus filhos. “Para chegar ao extremo de se desfazer da criança é lógico que ela teve um transtorno mental”, diz o psiquiatra forense Guido Paloma. A palavra final, no entanto, caberá aos senhores jurados.