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Num despacho de rotina, o ministro da Saúde, Agenor Álvares, desabafou com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff: “Estou tendo que aprender a dormir com os dois olhos abertos.” Não é para menos. Ele trabalha na boca de um vulcão, que na semana passada entrou em franca erupção. O relatório final da CPI dos Sanguessugas pediu a cassação de nada menos que 69 deputados e três senadores, todos eles com longas relações com os executivos da Saúde. Na sala de guerra em que seu gabinete se transformou, Álvares contou a ISTOÉ como passou a atuar desde que, em junho, logo depois de assumir o posto deixado pelo antecessor Saraiva Felipe, foi informado de que agentes da Polícia Federal estavam na porta do prédio para arrastar presos os funcionários acusados de participar do esquema. “Meu tempo se divide assim: passo grande parte do dia respondendo a perguntas sobre sanguessugas; e a outra parte administrando a auto-estima dos servidores, com medo de assinar pareceres ou convênios, receosos de que, por trás daquilo, haja algum esquema que eles não estão percebendo.”

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Cercado de suspeitas e inseguranças por todos os lados, Álvares fez uma revelação grave. Ele admite que o Ministério da Saúde não dispõe de mecanismos de controle para identificar irregularidades nos repasses de recursos orçamentários que faz para os Estados e municípios. Por falta de estrutura e de métodos de fiscalização, não há filtros nesse ralo federal de dinheiro público. “Essa quadrilha percebeu a fragilidade desse controle. Percebeu que havia um grande espaço para estabelecer a fraude. E que nós não perceberíamos”, avalia. “O nosso pessoal não tem a menor experiência de auditoria”, conclui. Álvares não sabe nem mesmo em quem confiar. Quando a Polícia Federal entrou no Ministério e levou presa uma de suas assessoras, Maria da Penha Lino, ele tomou um susto. “Mas a Penha?”, comentou com seus auxiliares mais próximos. Uma das integrantes da quadrilha, ela trabalhava a apenas algumas salas dele, num cargo de confiança. “De fato, tinha sido uma indicação política (do deputado do PMDB, José Divino), mas a gente achava que era uma pessoa ligada à área da saúde”, diz. A segurança da máfia de que não seria descoberta era tanta que no currículo enviado por Penha ao Ministério constava que ela tinha trabalhado antes na Planam, a empresa do chefe da quadrilha, o empresário Darci Vedoim. Penha não foi a única funcionária da saúde ligada à quadrilha. Havia ainda Jairo Langoni, que trabalhava no Serviço de Acompanhamento de Prestação de Contas, e Cassilene Ferreira, chefe no Rio de Janeiro do Serviço de Habilitação de Projetos, Contratos e Convênios. Jairo já havia sido exonerado por outros motivos. Mas Cassilene, quando a máfia foi estourada, estava em Brasília. Mais especificamente participando de um seminário aberto por Álvares justamente para discutir meios de apertar a fiscalização sobre o repasse de recursos e o acompanhamento dos contratos. Era a raposa aprendendo como se pretendia tomar conta do galinheiro.

Depois que o escândalo estourou, Álvares determinou a suspensão de todos os repasses aos municípios. Uma hora, porém, ele terá de retomar essa atividade. “Agora, estamos discutindo formas de aperfeiçoar os mecanismos de controle”, diz o ministro. Mas Álvares não é muito otimista quanto ao sucesso imediato desses procedimentos. “O Ministério não tem quadros suficientes”, afirma. E revela números que impressionam. Segundo Álvares, o Ministério da Saúde tem uma folha de pagamento com 165 mil servidores. Desses, 105 mil são aposentados e inativos. Dos 60 mil que restam, 40 mil estão cedidos para Estados e municípios. Os 20 mil que sobram, que efetivamente estão em Brasília trabalhando no Ministério, em 15 anos estarão em condição, pelo tempo de serviço, de pedir aposentadoria.
As investigações que prosseguirão na CPI mista dos sanguessugas ainda poderão deixar em maus lençóis três dos antecessores de Álvares: José Serra, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e Humberto Costa e Saraiva Felipe, já no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Se o que houve foi apenas descontrole e ineficiência ou se houve participação dos antecessores de Álvares no esquema dos sanguessugas é algo que, agora, a CPI das Ambulâncias irá investigar.