Nunca se deve misturar coração e negócios – principalmente se os negócios são ilícitos e o coração bate aos sobressaltos. É justamente assim que vivem os detetives Sonny Crockett (Colin Farrell) e Ricardo Tubbs (Jamie Foxx), do departamento de narcóticos da polícia da Flórida, protagonistas de Miami Vice – novo thriller policial de Michael Mann, agora na forma de longa-metragem, mas baseado no seriado televisivo homônimo dos anos 80. Devido a envolvimentos românticos fora de hora, uma operação simples como a descoberta de um informante infiltrado no tráfico transforma-se nas mãos de Crockett e Tubbs em uma verdadeira guerra. Essa é a história condutora do filme. Mais: o alvo é um império clandestino latino-americano que serve de fachada para lavagem de dinheiro em escala mundial. Enquanto Tubbs expõe sem necessidade a namorada e a colega de trabalho Trudy (Naomi Harris), Crockett comete o pecado capital de um justiceiro: apaixonar-se pelo inimigo, no caso uma sino-cubana chamada Isabella (Gong Li).

Os heróis enfrentam nada menos do que dois vilões. José Yero (John Ortiz) é a parte visível da gangue criminosa. Dono de uma rede de night clubs, na verdade prostíbulos de luxo e pontos-de-venda de drogas, o chefete exala desconfiança e desprezo. Mas seu poder, apesar de ostensivo, não se compara ao do monossilábico Jesus Montoya (Luiz Tosar). Ele é “o invisível, mas que está em todos os lugares nos observando”, garante Isabella, figura-chave do filme.

Mann acertou em cheio ao escalar a atriz chinesa de Memórias de uma gueixa para representá-la. Do sotaque ao tailleur, a atriz envolve o público – e Crockett, é claro. O policial oscila entre a vulnerabilidade e a indiferença, o que o torna alvo fácil para a aventureira. Em um dos melhores momentos de Miami Vice, agora passado não em Miami, mas em Port au Prince, no Haiti, Crockett tenta impressionar Isabella após uma negociação, convidando-a para tomar um mojito. A mulher responde, insinuante, que conhece o lugar onde se fazem os melhores mojitos do mundo. E os dois saem sozinhos em uma lancha superpossante em direção a Havana, onde passam a noite dançando.

Filmado em vídeo de alta definição, o que permite a realização de cenas noturnas com uma impressionante nitidez, a produção consumiu US$ 135 milhões. O diretor Michael Mann já havia utilizado a tecnologia em Colateral com ótimos resultados. E repete a dose num terreno conhecido, já que foi um dos criadores do seriado original estrelado por Don Johnson (Crockett) e Philip Michael Thomas (Tubbs). Assim como a série As Panteras, também Miame Vice virou símbolo de discoteca, de cocaína e de blazers com mangas arregaçadas – moda adotada no Brasil pelo rei Roberto Carlos.

Mann já havia avisado que não se preocuparia em fazer um remake. A nova versão, que se passa na Miami atual povoada por caminhonetes 4X4, armamento pesado e alta tecnologia, deixou de lado algumas das características originais como a excelente trilha sonora do tcheco Jan Hammer e a discrepância de estilos entre Tubbs (um nova-iorquino cool) e Crockett (um caipirão da Flórida). Uma das virtudes do trabalho de Mann, também produtor e autor do roteiro, é justamente fazer com que os 134 minutos do filme passem sem que o espectador se entedie. E consegue isso sem apelar para a pirotecnia que normalmente acompanha as histórias de ação. Não faltam, nem poderiam faltar, tiroteios e perseguições envolvendo carros em alta velocidade, helicópteros, jatinhos particulares, comboios de limusines e lanchas potentíssimas. Também não falta sangue espirrando na parede – numa cena Crockett compara pedaços do cérebro estourado de um inimigo a um quadro de Jackson Pollock. Mas o ritmo do filme não é ditado pelos efeitos especiais. No rasante pelo submundo sobra tempo até para momentos de humor: Crockett, sempre ele, duvida da capacidade dos neonazistas brancos (torturadores de seus colegas policiais) de lidarem com tecnologia sofisticada. “Ora”, diz ele para Tubbs em tom definitivo, “esses caras, além de analfabetos, moram em trailers e batem na mulher”. Como se vê, é o máximo da jequice.
US$135 milhões é o orçamento do filme, feito em alta definição