FOTOS: SERGIO ALBERTI/FOLHA IMAGEM E ALAN RODRIGUES/AG. ISTOÉ

DESTINO João Fernandes diante dos destroços de sua casa: ele escapou porque foi beber com um amigo

A chuva leve não dava trégua na manhã de domingo 4 na capital paulista. O tempo ruim, porém, não desanimou a família Fernandes, que planejava se reunir num almoço dominical, como acontecia toda semana. Empregada doméstica aposentada, Lina Fernandes, 75 anos, já ocupara o fogão naquele dia e ditara o cardápio: arroz, feijão e macarrão com salsicha. Com o passar dos anos, diante das dificuldades financeiras, a matriarca dos Fernandes foi aos poucos abrigando familiares na modesta casa de 80 metros quadrados na zona norte da cidade até somar 14 pessoas morando sob o mesmo teto, entre filhos, noras, netos e bisneto. O que seria mais um domingo como tantos outros virou uma tragédia. Às 14h10, o jatinho Learjet 35 caiu desgovernado, de bico, no meio da casa. Com o choque, as paredes desmoronaram e o cenário de destruição se completou com as chamas que consumiram tudo. Morreram Lina e cinco parentes – um filho, uma nora, um neto e sua mulher e um bisneto, além do piloto e do co-piloto.

Três horas antes, João Fernandes, 49 anos, preparava-se para ir a um bar a dois quarteirões de casa. Estava acompanhado de seu amigo de copo, Gonçalo dos Santos, 52. “Mãe! Vou tomar uma com o Gonçalo ali no bar”, disse João. “Não mexe com isso hoje, filho. Tá chovendo muito”, respondeu Lina. “Mãe, se eu trabalho debaixo de chuva, por que não posso beber com a água caindo?”, retrucou. “Por mim, você não sairia de casa hoje…”, insistiu Lina. Não adiantou. João e o amigo foram para o bar beber cerveja, tomar caldo de peixe e jogar baralho. E foi lá que eles ouviram um barulho ensurdecedor e testemunharam uma cena inacreditável. “Nós vimos um avião despencando do céu na nossa frente. Na hora, eu tive certeza que o avião tinha caído na minha rua”, contou Gonçalo.

João e Gonçalo saíram em disparada em direção à fumaça preta que tomava conta do ar. Ao dobrarem a esquina, se depararam com um cenário de horror e pânico. “Labaredas de fogo ultrapassavam os fios de eletricidade, havia um cheiro insuportável de combustível, imóveis despedaçavam-se em ruínas e uma moça corria nua aos berros pela rua com uma capa de sofá enrolada ao corpo”, lembra Gonçalo. Ao ver que era sua a casa atingida, João começou a gritar pelos cinco filhos, a mãe, o irmão, a cunhada, e a ex-mulher, que também vivia com eles num barracão colado à casa da mãe.

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LUCIANO AMARANTE/FOLHA IMAGEM

RESGATE Laís Coutinho: salva pelo armário

Gonçalo conta que o desespero de João foi parcialmente atenuado quando ele soube que pelo menos seus cinco filhos e sua ex-mulher estavam a salvo. Pouco antes da tragédia, dois de seus filhos, Fernando, 21 anos, e Beatriz, 17, resolveram acompanhar a mãe, Rosa, até o supermercado para comprar carne e verduras para incrementar o almoço. Rafael, 18, estava numa lan house a poucos quarteirões dali. O perigo chegou mais perto de duas outras filhas de João, Adriana, 15, e Cristina, 19. Elas estavam no barracão dos fundos. Adriana tomava banho e Cristina estava na cozinha. De repente, o estrondo. “Olhei pela janela e vi tudo explodir”, conta Cristina. “Deixei a cozinha correndo, peguei uma toalha no varal, enrolei minha irmã, e corremos. O corredor estava em chamas, fomos para o outro lado, arrombamos uma porta, nos arrastamos até conseguirmos fugir”, lembra Cristina.

Os outros parentes de João, que moravam na casa em frente, não tiveram a mesma sorte. Além de Lina, viviam lá seu filho Ayres, 54 anos, e a cunhada Rosa Lima, 54, que era diarista. Naquele dia, Rosa tinha sido chamada para trabalhar, mas desistiu para ficar com a filha Ana Maria, 21, o genro Lucas, 21, e o neto Luan, de dez meses. Na hora do impacto, Lina, Rosa, Ana Maria e o bebê estavam na cozinha em meio aos preparativos do almoço. Lucas fazia “bico” como instalador de tevê a cabo, mas naquele dia não foi trabalhar. Ele e o sogro, Ayres, assistiam à televisão na sala.

A queda da aeronave foi devastadora. Dos que estavam no sobrado, somente Claudia, 16 anos, sobrinha de João, e sua vizinha Laís da Silva Coutinho, 11, sobreviveram. Laís estava deitada no beliche do quarto da frente e brincava com Claudia, que sofre de déficit de aprendizado, e estava deitada numa cama de casal. Com o impacto, as paredes voaram. Claudia foi arremessada para fora da casa e Laís se viu debaixo de um armário. “Parecia um terremoto. Tive medo de morrer”, disse Laís.

Claudia está internada, com 30% do corpo queimado, sem saber ainda que seus pais, avó e primos estão mortos e enterrados. João, os filhos e a ex-mulher conseguiram reunir forças para voltar aos destroços. Na terça-feira 6, para surpresa de todos, conseguiram resgatar, ainda com vida, um peixe Beta no aquário, no barraco dos fundos. Após escapar com vida desta tragédia, Cristina tem apenas uma certeza quanto ao futuro. “Não quero mais morar naquela casa. Tenho medo e as memórias são terríveis”, diz ela.


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