"Jote negro” é o tipo da questão que dificilmente passará pela cabeça de um brasileiro no Parque Nacional do Iguaçu.
Ele pode até estranhar a presença daquelas aves negras voando em círculo diante das cataratas, como se estivessem num aterro sanitário. Mas o bicho, em si, todo mundo conhece, pelo menos de vista, como urubu.
“Carancho” pode ser mais complicado. É o carcará, cuja popularidade nunca passou muito além da música popular brasileira, e isso foi no tempo das canções de protesto. Pior é reconhecer na “Torcacita Colorada” uma rolinha. No “Chiripepé”, o tiriba. No “Vencejo”, o andorinhão. No “Zorzal”, o sabiá. E assim por diante, através das 71 páginas de verbetes breves do “Iguazu, Guía de Campo”, do argentino Marcelo Beccaceci.

É um livro indispensável para se conhecer melhor o Brasil. À falta de um similar nacional, convém ir preparado para dizer “mucho gusto” ao veado mateiro que se apresenta como “Corzuela Roja”. Ao tamanduá, na pele do “Oso Hormiguero”. À urutu, que vira “Yarará Grande”. Ou ao teiú, aliás “Lagarto Overo”.
E não adianta ir diretamente ao capítulo das plantas. Ali, canafístula se chama “Ybirá-Pitá”. Paineira, “Palo Borracho”. Samambaiaçu, “Helecho Chachi Bravo”.
“Iguazu, Guía de Campo” é uma aula de Brasil em espanhol, inglês e português. Beccaceci nos fez a gentileza de espremer as três línguas em poucas páginas, e já ocupadas por 500 desenhos. O português vem por último? Benfeito. Quem mandou acharmos que turista, no Iguaçu, só quer saber de cartão-postal, bugiganga e camiseta? Do lado de lá, as lojas de suvenir têm a resposta para perguntas que não adianta nem fazer do lado de cá.

E elas não ficam só no livro de Beccaceci. A receita serviu para os argentinos fazerem um manual de borboletas da região – o “Mariposas de Misiones” – e outro de orquídeas. Claro, como os animais e a mata não reconhecem fronteiras políticas, a flora e a fauna são praticamente as mesmas em Iguaçu e Iguazu. E assim as professoras Cecília Diaz, Aída Trício e Patrícia Morawick atendem, nas duas margens do rio, quem quiser saber que as borboletas amarelas que voam em formação entre a água e a floresta se chamam Arphissa statira statira e formam essas guirlandas aladas por terem “hábitos migratórios”.

Pode não parecer, no papel. Mas, na hora, diante do cortejo das Arphissa, um verbete como esse cobre o fosso que separa o ato de ver do prazer de enxergar. Assim como marca para sempre a memória de um dia no parque ler, na trilha, que são estalos produzidos pelas asas da Hamadryas arete, uma borboleta de asas negras salpicadas de manchas azuis, que o sol torna iridescentes, os ruídos sem nome nem direção vêm do ar. “Em momentos de grande silêncio”, afirmam as autoras, eles “podem ser ouvidos a mais de 20 metros”.
Tudo isso em obras modestas, com fotografias às vezes desfocadas, cores discutíveis e ilustrações botânicas tão esquemáticas que certas árvores parecem brotar de cadernos escolares. Mas elas ensinam aos brasileiros que nossos bosques podem até ter mais vida – até porque no nosso Parque do Iguaçu cabe com folga mais de três vezes o Iguazu dos argentinos. Mas os bosques deles têm mais livros sobre essa vida.