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Como se estivessem em casa: pesquisa sobre os asilos brasileiros mostra que essas instituições podem melhorar a qualidade de vida dos idosos. Confira a reportagem em vídeo

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UM ANO DE AMOR
Namoro de Chaim, 86 anos, e Veridiana, 94, começou no asilo

Todas as tardes, desde a primavera de 1992, a advogada Rozária Padilha Nageo caminha 300 metros até a residência da mãe. Rozária, 70 anos, mora no quarto andar de um edifício de classe média na zona sul de São Paulo. Venerdim Maria Padilha, 94, é uma das habitantes mais antigas de A Mão Branca – um asilo fundado na década de 40 por senhoras de origem sírio-libanesa. A expressão árabe que dá nome à morada significa “a mão pura que se estende aos necessitados”. “Foi uma decisão muito difícil. Eu ficava no terraço do meu apartamento, chorando, olhando para A Mão Branca. Queria mamãe comigo, mas achei que aqui ela estaria melhor”, conta. “Venho todos os dias há quase 18 anos. Quando tenho de me ausentar, uma prima vem no meu lugar. Mamãe nunca ficou um dia sem visita.” O zelo de Rozária é a evidência de que asilo não é sinônimo de abandono. Venerdim vive as sequelas de três acidentes vasculares cerebrais, não anda e balbucia frases curtas – como “Vem aqui”, “Quero café” – em raras ocasiões.

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VIDA EM COMUM
Natalina Bianco, 91 anos, cozinha para as amigas do asilo A Mão Branca

Mãe e filha dialogam com o olhar. Dilemas como os de Rozária têm se tornado cada vez mais corriqueiros no Brasil. “O envelhecimento da população e o aumento da longevidade de pessoas com capacidades física, cognitiva e mental reduzidas requerem que os asilos deixem de fazer parte apenas da rede de assistência social e integrem as redes de assistência à saúde e à habitação”, afirma a economista Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Essas instituições serão cada vez mais necessárias e devem ser encaradas como residências coletivas.” Ana Amélia coordenou a primeira pesquisa nacional sobre as condições de vida e a infraestrutura dos asilos no Brasil. Os últimos dados do estudo ainda estão sendo analisados, mas as primeiras conclusões, obtidas com exclusividade por ISTOÉ, dão alento aos que antes viam os asilos como mero depositário de idosos.

SOCIALIZAÇÃO
a vida em grupo é um dos maiores ganhos dos idosos

Após localizarem e verificarem como são tratados 79.459 brasileiros com mais de 60 anos (cerca de 0,5% do total do País) em 3.548 instituições (6,9% públicas ou mistas, 68,4% filantrópicas e 24,7% privadas), os pesquisadores do Ipea avaliaram que, ao contrário do que diz o senso comum, viver num asilo pode melhorar a qualidade de vida do idoso – independentemente da classe social. “Os asilos carregam um estigma injustificado”, constata a economista. O universo estudado é amplo e diverso, tanto no que se refere às instituições como no perfil dos seus clientes.

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Rozária, 70 anos, todos os dias visita a mãe, Venerdim, 94 anos

Mesmo nos locais mais simples, aqueles que lá habitam podem encontrar benefícios de que não dispunham quando viviam fora deles. Para os cidadãos de baixa renda, estar em um asilo pode significar ter acesso a atendimento médico e a outros cuidados com a saúde que eles não conseguiriam do lado de fora. Para os de poder aquisitivo mais elevado, pode representar o resgate do convívio social, já que, em geral, eles vão para o asilo ao perder a autonomia e a capacidade de gerir a própria vida. Numa instituição destinada a pessoas de sua idade, têm a oportunidade de conviver com outras com interesses semelhantes e de participar de atividades em conjunto. Veridiana de Oliveira Taddeo, 94 anos, vive na Mão Branca desde o início de 2009.

PRECONCEITO
Para Pesquisadora asilos têm estigma injustificado

Logo que chegou, despertou a atenção de um senhor alto e simpático. “Achei ela bonita, inteligente”, revela José Chaim, 86. “Bonita, eu? Com tanta moça mais jovem por aí”, surpreende-se Veridiana. Ela conta que decidiu ir para o asilo depois de cair dentro de casa e machucar a espinha. Durante meses, só podia se locomover com o auxílio de um andador. Veridiana já conhecia o asilo. O marido dela, falecido há uma década, morou lá. “Às vezes sou feliz, às vezes não. Às vezes, tenho vontade de ir embora. Mas tem o Chaim. Todo mundo diz que somos o ‘Casal 20’ da Mão Branca”, afirma. No mês passado, os dois saíram para comemorar o aniversário de Veridiana.

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Hugo Cavicchioli, 97 anos, ex-bancário: “Felizmente encontrei este lugar”

Passaram a tarde no shopping com uma das filhas dela. Almoçaram, fizeram compras. Enquanto se preparavam para viajar a Serra Negra, no interior paulista, os amigos do asilo brincavam: “Agora dona Veridiana vai ter lua de mel.” A adaptação ao asilo, segundo o estudo do Ipea, é bastante influenciada pela expectativa que o idoso tinha de ser ou não cuidado por parentes. Há os que foram parar lá por decisão arbitrária da família. Outros que escolheram viver em asilo por achar que teriam mais liberdade do que na casa de parentes ou por se considerarem um peso para os filhos. Para a pesquisadora Ana Amélia, um dos grandes objetivos de seu trabalho é tentar desmistificar a imagem desse tipo de instituição, tão idealizada no imaginário da população quanto a própria família – esta é sinônimo de proteção; a outra, de abandono. “Na verdade, ambas são espaços de conflito e disputa de poder, abrigam e retiram indivíduos da sociedade”, afirma. A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia trabalha no mesmo sentido, sugerindo até uma mudança na nomenclatura das casas que abrigam velhinhos, com o uso da expressão “Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI)”, uma adaptação do termo empregado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas elas mesmas ainda não aderiram e se auto-denominam de maneiras diversas – casa de repouso, asilo, lar, abrigo. Não existe padrão.

ENVELHECIMENTO
Em 1950, o Brasil era o 16º país em número de idosos; em 2025 será o 6º

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Parte da imagem de “antecâmara da morte” vinculada aos asilos foi construída em décadas passadas, quando eles abrigavam pessoas abandonadas ou não desejadas pela sociedade – loucos, crianças, moradores de rua, prostitutas, velhos. Todos juntos. A má fama é reforçada de tempos em tempos, quando denúncias de maus-tratos são divulgadas na mídia. Quem não se lembra da clínica carioca onde mais de 100 velhinhos morreram depois de beber água contaminada? O escândalo ocorreu há 14 anos, mas continua vivo na memória nacional. “Dez ou 15 anos atrás, os idosos que iam para os asilos sabiam que estavam no fim. Hoje, com o aumento da longevidade, esses locais têm de ser agradáveis para se viver”, diz o médico Renato Veras, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A discussão é, de fato, cada vez mais relevante. Pela primeira vez na história, a faixa etária que mais cresce no País é a dos cidadãos de 60 anos ou mais. Trata-se de um batalhão composto por cerca de 20 milhões de pessoas de perfil heterogêneo – com expectativas, desejos e necessidades diferentes. Esse grupo é tão elástico e variado que reúne uma porção de integrantes com mais de 90 anos, lúcidos e autônomos. E outros, na casa dos 60, completamente dependentes. Essa nova dinâmica demográfica, repleta de nuances, exigirá que o governo brasileiro e o setor privado invistam em formas alternativas de moradia para a terceira idade. E que a população debata abertamente – e sem preconceitos – o destino dos velhos.

PARTE 2