Enquanto rola o playback da música Quero você, adaptação de Wagner Tiso para tema inédito de Newton Mendonça, Rodrigo Santoro simula tocar piano e Cláudia Abreu faz o mesmo na flauta. Eles são Joaquim e Glória, personagens do filme Os desafinados, de Walter Lima Jr., e estão ensaiando num minúsculo apartamento de Nova York, cena montada nos estúdios Renato Aragão, recém-adquiridos pela Rede Record, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. São artistas, jovens, sonhadores, querem se apresentar no Carneggie Hall e, de quebra, mudar o mundo. Mas a vida tem planos diferentes para aqueles primeiros anos da década de 60. De volta ao Brasil, eles vão sofrer os danos do golpe militar, da ditadura, do cerceamento às liberdades – mesmo sem ter pactos com movimentos políticos. Esses fatos pontuam o filme, com estréia prevista para o segundo semestre, mas o foco central não é a política. “Falamos de esperança, entusiasmo, essas coisas que ainda sobrevivem em nós, usando comédia, música, drama, romance, tudo misturado”, diz Lima Jr., 67 anos.

Essa é a primeira vez que o premiado cineasta de A lira do delírio, Inocência e A ostra e o vento abre seus estúdios para a história brasileira entrar. “Bateu a necessidade de falar de Brasil, de assumir um olhar mais politizado sobre o que eu vi – sem rancor, com humor, sem estar esvaziado ou melancólico”, diz o diretor, nascido em Niterói. Delicado e exigente ao mesmo tempo, Lima Jr. adota o estilo “no stress” no trabalho. Por três vezes repete a ordem “câmara, ação, solta o playback” e o som não entra. Calmamente, aguarda a solução do problema enquanto conversa com o elenco. Cláudia Abreu fala sobre seu novo visual: “O corte de cabelo é para atender a personagem e estava descrito no roteiro.” O diretor aprova: “Ela é exatamente o que eu queria para o papel.”

A história começa em 1962, termina em
2000 e está centrada num grupo de músicos representados por atores diferentes quando jovens e mais velhos, como Angelo Paes
Leme, Antonio Pedro e Jair Oliveira (o músico Jairzinho). Selton Mello interpreta Dico, um cineasta. A bela trilha sonora é assinada pelo maestro e arranjador Wagner Tiso. A música é tão importante nesse trabalho que Tiso compôs as canções antes de a cena ser filmada, o que não é habitual em cinema. “Compus temas com influência dos anos 50, da pré-bossa nova à bossa nova, um pouco de samba-canção também”, explica o maestro. Para ele, há um novo desafio nesse trabalho. “O Walter está se inspirando nas músicas para
fazer as cenas. Nosso envolvimento é mais profundo.”

Com os atores acontece o mesmo. Todos que interpretam músicos estão tendo aulas, seja de piano, seja de saxofone ou flauta. “Eles estudam até 15 horas por dia. Felizmente, não estão em novela atualmente. Por isso, conseguem esse grau de concentração”, diz o diretor. E elogia a tenacidade de Santoro: “Estou impressionado com a dedicação dele. Poucas vezes vi um ator tão valente no que quer. É difícil você tocar piano em quatro meses e ele conseguiu.” De seu lado, o ator se mostra gratificado: “Tive um mês para me preparar para o filme. Faço um compositor pianista e nunca havia tocado piano antes. Tive que estudar muitas horas durante esse período, mas é um aprendizado que vou levar para o resto da vida.” Com um cavanhaque ao estilo anos 60, o ator passa o intervalo das filmagens se exercitando na gaita. Seu carisma discreto será usado por Joaquim, que é casado com Luiza (Alessandra Negrini) e se apaixona por Glória, a personagem de Cláudia Abreu. “Ela é uma mulher moderna para sua época. Mora sozinha em Nova York e é independente”, explica a atriz, com sua voz doce de flauta.