Orlando Bloom, o elfo de O senhor dos anéis, não tem a tarimba diante das câmeras de Russell Crowe. Por outro lado, as intrigas entre cristãos, sarracenos e templários na Jerusalém do século XII estão longe de oferecer o mesmo potencial dramático dos bastidores da Roma Antiga. Mesmo assim, Cruzada (Kingdom of heaven, Estados Unidos/Espanha/Grã-Bretanha, 2005), estrelado pelo moreno inglês de 28 anos e dirigido por Ridley Scott, com estréia mundial prevista para a sexta-feira 6, tem tudo para repetir o sucesso de Gladiador, o filme que trouxe de volta às telas o gênero “espada e sandália”. Orçado em US$ 130 milhões, o épico tem produção impecável, cenas de batalhas de tirar o fôlego e um herói com o qual a platéia facilmente se identifica. Sem falar da pitada de romance imprescindível em blockbusters do gênero.

Bloom dá vida a Balian, um bastardo ferreiro francês desencantado com o mundo à sua volta. E com razão: além de perder o filho, ficou sem a mulher, que se matara inconformada. Sem direito a enterro digno, a tragédia da esposa leva o ferreiro a cometer um pecado capital: matar um padre. É nesse clima de violência solene que se inicia o filme e que Balian recebe o cruzado Godfrey (Liam Neeson), que vem a ser o seu verdadeiro pai. Com muito esforço, o nobre consegue convencer Balian a largar tudo e se mandar para a Terra Santa, onde as “oportunidades” são melhores. Mas o que o ferreiro busca é uma transformação de outra ordem. Ele quer fazer da viagem a expiação dos pecados.

Poder – Scott aprendeu com David Lean, de Lawrence da Arábia, como tecer
drama pessoal e lances épicos de forma eficiente – e é isso o que ele oferece nas 2h25min de espetáculo. Para a decepção de Balian, o que ele encontra em Jerusalém não é exatamente um ambiente de recolhimento espiritual, mas uma briga de poder sob motivações religiosas. Estamos no ano de 1184, entre a
Segunda e a Terceira Cruzada, durante o breve período de paz entre o reinado de Balduíno IV (Edward Norton, não creditado, já que aparece sob uma máscara de louça por ter o rosto desfigurado pela lepra), e as tropas do sarraceno Saladino (Ghassan Massoud). Mas nos bastidores atuam, com toda a baixaria, os templários Reynald (Breendan Gleeson) e Guy de Lusignan (Maron Csokas), casado com a belíssima irmã de Balduíno – Sibylla (Eva Green), rara presença feminina do filme, por quem Balian, óbvio, se apaixona. De resto, o que domina é uma sufocante atmosfera viril, que culmina no enfrentamento entre cristãos e sarracenos e seu conseqüente mar de cadáveres.

Alusões – Scott decidiu fazer o filme depois do 11 de setembro e são claras as alusões aos tempos que correm. A certa altura, por exemplo, o sanguinário Guy de Lusignan solta a pérola “Me arranje uma guerra. Sou o que sou, alguém tem que ser.” Mas o diretor se diz mais interessado no drama íntimo do personagem de Balian. Suas motivações, contudo, não empolgam tanto quanto as do gladiador Maximus de Russell Crowe, movido por um projeto de vingança mais “concreto” que o sentimento de honra do novo herói. Em contrapartida, a trama é muito bem armada e flui com a elegância própria aos bons épicos. O visual também é um deslumbre, com referências à pintura de Delacroix, às gravuras de Doré, aos filmes de temática medieval de Akira Kurosawa e Ingmar Bergman. Os diálogos, mais naturais, ficam a léguas do kitsch de Tróia e Alexandre. Quando Balian se encontra com um cruzado, este lhe pergunta qual o caminho para Jerusalém. Ele responde: vá até onde se fala italiano, depois siga por onde se fala outra língua. O nobre se apresenta: sou o rei da Inglaterra. Ou seja: Ricardo Coração de Leão. É como se a história estivesse acontecendo à sua frente.