Ela esbanjou elegância nos dois
tailleurs, um amarelo e outro cinza-claro,
com os quais desfilou pelo Itamaraty
e pelo Palácio do Planalto, sem contar
uma palestra no Memorial JK. Mas, por
trás dos sorrisos, do charme e da
elegância, Condoleezza Rice, a mulher que, como secretária de Estado dos Estados Unidos comanda a política externa da
nação mais poderosa do mundo, não diferiu muito, em seus discursos, do estilo pesado texano exibido em Brasília, há pouco
mais de um mês, por Donald Rumsfeld, o chefe do Pentágono.

“Condi” , como a chefe da diplomacia americana é chamada no círculo mais fechado da Casa Branca, começou seu périplo por Brasília exercendo seu lado esportivo ao receber, na Embaixada dos EUA, a ginasta Daiane dos Santos, os jogadores de vôlei de praia Tande e Franco, um grupo de capoeira e crianças da Ceilândia que integram um projeto esportivo de inclusão social. Elogiou “as multicores da população brasileira” e partiu para o Itamaraty, onde a esperava uma reunião de trabalho com o chanceler Celso Amorim e a cúpula da diplomacia brasileira. Na pauta, Alca, Venezuela e Hugo Chávez, além das crises de Equador e Bolívia.

O resultado das conversas foi apresentado em uma coletiva conjunta com Celso Amorim. Ou melhor, a divergência de posição entre Brasil e EUA em quase todos os assuntos. No caso da Alca, Condoleezza insistiu que a megaárea de livre comércio tenha sua implantação acelerada a qualquer custo. Celso Amorim defendeu que a Alca não fora descartada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sim tinha “saído da pauta da imprensa por não haver mais o viés ideológico”. E explicou que o Brasil quer retomar as negociações, “dentro das regras definidas em Miami”. Parece código, mas era tudo que Condi não queria ouvir. As tais regras foram definidas em uma reunião ministerial em Miami, onde o Brasil e seus parceiros de Mercosul conseguiram impor prioridade para abertura de mercados, deixando para depois possíveis mudanças no arcabouço legal, o oposto do que querem os EUA.

Chávez – O diálogo de surdos seguiu adiante. Condoleezza atacou Hugo Chávez, dizendo que “não basta um governo ser democraticamente eleito se não governar democraticamente”. Celso Amorim retrucou dizendo que o Brasil, além de considerar a Venezuela um país amigo, acha que “os problemas do país têm que ser discutidos pelo povo venezuelano” e que Chávez é um presidente eleito pelo povo e que teve seu governo respaldado pela vitória no plebiscito sobre se deveria ou não continuar no governo. Sobre a Cúpula América do Sul e Países Árabes, que será realizada em Brasília dentro de duas semanas, outro tema no qual os EUA enxergavam risco, Condi se mostrou satisfeita com as explicações brasileiras de que o principal objetivo é econômico e não deverá servir de palco para atrapalhar o processo de paz no Oriente Médio.

Na visita ao presidente Lula, no começo da noite da terça-feira 26, Condoleezza voltou a exercer seu charme, talvez sabendo que, pouco antes, Lula tinha recebido a top model Naomi Campbell, nova garota-propaganda do Brasil. Primeiro, ela encontrou-se com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, chegado horas antes da Venezuela, onde manteve um misterioso encontro com Hugo Chávez, transformado na nova nêmesis de George W. Bush. Dirceu, há cerca de duas semanas, tinha se reunido com Condoleezza nos EUA e soube que Bush continuava furioso com as compras de armas anunciadas por Chávez. No rápido papo, não lhe trouxe nenhuma novidade venezuelana.

Já no gabinete presidencial, Condi elogiou Lula e “a liderança crescente do Brasil”, reafirmou o apoio dos EUA às mudanças na ONU e no Conselho de Segurança, mas sem se referir à candidatura do País a um lugar de membro permanente. Sorrisos e charme à parte, Condi foi embora na quarta-feira 27, rumo ao Chile. E, como Rumsfeld, de mãos vazias.