Segundo Niels Bohr, Prêmio Nobel de Física de 1922, “predição é muito difícil, especialmente se for sobre o futuro”. Ele não ganhou o Prêmio Nobel à toa. Ainda assim, vou me arriscar e fazer uma previsão. Pior, sobre o futuro. A zona do euro ruirá em breve, talvez este ano.
Na primeira vez que cometi a heresia de dizer isto, no ano passado, quase me internaram. Deveriam ter internado. De lá para cá, minha convicção aumentou. A tragédia grega é só o início do acirramento das tensões no Velho Continente. A fim de expandir mercados para exportações e reduzir seu custo de financiamento, os países da zona do euro abriram mão de controle sobre política cambial e monetária.
Só que cada um manteve sua soberania política e fiscal. Seus governos taxam cidadãos e gastam dinheiro público como bem entendem e, quando gastos ultrapassam receitas, emitem dívida livremente, como qualquer outro país.

Esta dicotomia entre políticas monetária e cambial idênticas e políticas fiscais independentes se sustentou até aqui por duas razões. Nos anos que antecederam o colapso do mercado imobiliário americano, época de dinheiro abundante, investidores faziam vistas grossas a desequilíbrios fiscais. Além disso, até 2007, estes desequilíbrios eram bem menores. Ao eliminar trilhões de dólares da riqueza mundial, a crise levou investidores a se preocuparem com a quem emprestam.

Para piorar, a situação fiscal dos países europeus se deteriorou, em alguns casos, muito. Governos viram-se forçados a socorrer instituições financeiras à beira da falência e consumidores endividados até o pescoço, muitos deles sem emprego. Para evitar uma recessão ainda mais profunda, aumentaram muito gastos e déficits, que em diversos casos já não eram pequenos.
Para financiar a gastança, emitiram-se quantidades enormes de dívida pública. Os investidores começaram a desconfiar que dívidas e déficits tão grandes dificilmente serão pagos e cortaram o financiamento, bem na hora em que os europeus mais precisavam.
Surge a insustentabilidade da zona do euro. Países que, no passado, conseguiram sair de uma situação parecida com a dos chamados “porcos” europeus – da sigla PIGS, iniciais de Portugal, Irlanda/Itália, Grécia e Espanha em inglês –, sem ter de passar por um calote, adotaram um mix de estímulo monetário, desvalorização cambial, ajuste fiscal e ajuda externa.

Aí que a porca europeia torce o rabo. Na união monetária, cada país não tem controle sobre estímulo monetário ou desvalorização cambial. Além disso, cortes de gastos públicos– leia-se salários de funcionalismo público, aposentadorias, programas de governo, etc. – provavelmente não serão politicamente viáveis.

No campo da ajuda externa, entraves políticos também emperram. Em nome da soberania europeia, o apoio financeiro do FMI foi dispensado. As dívidas dos PIGS são tão grandes que um pacote de resgate vindo da única economia grande e sólida da Europa, a Alemanha, talvez deixe a própria em situação crítica. Além disso, convencer um trabalhador alemão de 67 anos a sustentar o sistema de previdência da Grécia, onde alguns se aposentam aos 54 anos, não parece tarefa fácil. Ou a zona do euro se despedaça ou a crise da dívida pública europeia vai piorar muito. Provavelmente, os dois. Não digam que não avisei.

Assista abaixo a entrevista com Ricardo Amorim:

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Novo colunista da revista IstoÉ, Ricardo Amorim conta sua trajetória do mercado financeiro para a bancada do Manhattan Connection

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