Ele foi o ditador mais longevo da América do Sul: durante 35 anos, a partir de 1954, o general Alfredo Stroessner governou o Paraguai com mão de ferro, antecipando em uma década o ciclo de ditaduras militares de direita que infestou a região nos anos 60 e 70. Exilado no Brasil desde que foi deposto em 1989, Stroessner morreu em Brasília na quarta-feira 16, aos 93 anos, sem jamais ter rompido o pacto de silêncio que se impôs desde então. No Paraguai, ele estava sendo processado por violação de direitos humanos, grande parte cometida durante a Operação Condor (coordenação dos serviços de inteligência das ditaduras militares do Cone Sul nos anos 70 para perseguir opositores), além de crimes de corrupção. Centenas de paraguaios foram assassinados e milhares foram presos e torturados durante o regime stronista.

Apesar disso, Stroessner não foi um tirano latino-americano clássico, como os retratados por Gabriel García Márquez, nem mesmo um ditador militar ao estilo do chileno Augusto Pinochet. A base de seu poder era assentada no Partido Colorado, agremiação que controla a vida política do Paraguai há mais de 60 anos e que até hoje governa aquele país. De ascendência alemã, Stroessner chegou ao poder em 1954 com o apoio dos Estados Unidos, então em plena cruzada anticomunista da guerra fria, através de um golpe militar. Montou um regime parcialmente inspirado no Partido Revolucionário Institucional (PRI) mexicano, mas com forte apoio do Exército. Nesse modelo de partido-Estado, todo funcionário público, principalmente os de alto coturno, era obrigado a possuir a carteirinha dos colorados. Cerca de 35% da população era filiada ao partido. A corrupção se institucionalizou. Stroessner manteve uma fachada democrática, permitindo que parte da oposição atuasse, legitimando as oito eleições presidenciais que ele “venceu” com porcentagens de 70% a 90%.

Alinhando-se fortemente ao Brasil, Stroessner obteve a construção da usina hidrelétrica de Itaipu, em 1973, que fornece a maior parte da energia elétrica do Paraguai. Seu ocaso começou com o governo Jimmy Carter (1977-1981), que pressionou o ditador a libertar presos políticos e a pôr fim ao estado de sítio permanente. Stroessner, já conhecido como “tiranossauro”, ficou isolado, apoiando-se em regimes párias, como o da África do Sul do apartheid e as ditaduras militares de Taiwan e o Chile. Em fevereiro de 1989, dissensões internas levaram o general Andrés Rodríguez a depor Stroessner.

Há quem diga que o romance Yo, el supremo (Eu, o supremo), do escritor paraguaio Augusto Roa Bastos, baseado na vida do ditador Gaspar Francia (1814-1840), é uma alegoria a Stroessner, na medida em que prefigura o tirano racional e metódico, em lugar do ditador paternalista e passional, tipicamente latino-americano. Só se for para confirmar o famoso adágio marxista de que a história se repete duas vezes: como tragédia e como farsa. Afinal, Francia foi um “déspota esclarecido”, autor de um ousado projeto de autonomia nacional, e Stroessner, um dos tiranos mais corruptos e tacanhos de nuestra América. Mas seus herdeiros ainda mandam e desmandam no Paraguai.

Com o país sob o domínio do Partido Colorado, o “tiranossauro” vencia as eleições com 70% a 90%