FOTOS: SAMIR BAPTISTA/AG. ISTOÉ

“PEÇA DE FICÇÃO” foi a expressão usada por Dirceu, que fez implante, para classificar o Mensalão do PT

Nos primeiros depoimentos dos mais famosos réus do Mensalão do PT, no processo em que a Procuradoria da República os acusa por formação de quadrilha e outros crimes, a sinceridade ficou sempre por um fio – uma hora autêntica como os da barba do ex-tesoureiro Delúbio Soares, outra hora falsa como os 6.700 fios do implante feito pelo ex-ministro José Dirceu.

“Ele rebateu pontualmente todas as acusações contidas na denúncia”, afirmou José Luis Oliveira Lima, advogado de Dirceu, ao término das duas horas de depoimento à juíza Sílvia Maria Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, na quintafeira 24. Para começar, Dirceu negou a existência do Mensalão – o esquema de montagem do caixa 2 para comprar votos de parlamentares no Congresso nas questões de interesse do governo Lula. “Uma peça de ficção”, definiu o ex-ministro, apesar de o procurador-geral da República ter demonstrado a existência do esquema com tal profundidade de dados que o Supremo Tribunal o transformou em réu por corrupção ativa e formação de quadrilha.

José Dirceu manteve a famosa frieza, levemente quebrada apenas quando a advogada do ex-deputado Roberto Jefferson (outro cassado pela Câmara por envolvimento no Mensalão) foi flagrada gravando a audiência. Jefferson depõe no dia 12. O caso corre em segredo de Justiça e a juíza a obrigou a apagar a gravação. “Esse foi o único incidente que houve na audiência, mas não atingiu nem meu cliente nem a defesa”, disse Oliveira Lima, advogado de Dirceu.

De fato, se Dirceu tiver de ser atingido, será pelo depoimento de outras testemunhas ou pelo comportamento dos antigos aliados. Geisa Dias dos Santos, ex-gerente administrativa da agência SMP&B, do publicitário mineiro Marcos Valério, disse na segunda-feira 21 à Justiça Federal em Belo Horizonte que o antigo patrão era o responsável pelas remessas de dinheiro e que ela nunca imaginou que ali havia um esquema criminoso. “A ordem era não questionar”, disse Geisa aos promotores. “O Marcos Valério falava que eu era paga para fazer e não para pensar.” Ela é acusada de evasão de divisas, formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Durante as perguntas da juíza Sílvia Maria Rocha, José Dirceu disse que não conhecia diversas pessoas classificadas como rés no processo. “Eram secretárias de Marcos Valério ou funcionárias de bancos”, conta o advogado Lima.

ROGÉRIO CASSIMIRO/FOLHA IMAGEM

“ESTOU LIMPO” Acordo de Silvinho prevê 750 horas de trabalho comunitário pelo fim do processo

Seguindo a ética dos ex-tesoureiros e da velha militância clandestina, Delúbio Soares fez um depoimento de duas horas, que resultou em 60 páginas, mas pouco acrescentou. Sua defesa: o dinheiro dos empréstimos que o PT pegou com Marcos Valério e com os bancos Rural e BMG foi utilizado para bancar a festa da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 e as despesas da equipe de transição no final de 2002.

OLHA A CARTEIRA Delúbio depôs durante duas horas e manteve a ética dos ex-tesoureiros

O episódio mais revelador dessa semana em que a sinceridade esteve por um fio coube a Silvio Pereira, o ex-secretário-geral do PT na época das denúncias. Denunciado por formação de quadrilha, Pereira fez um acordo com a juíza Sílvia Maria Rocha, que responde em São Paulo pelo relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, do STF. A legislação brasileira autoriza a Justiça a fazer acordos com os réus em denúncias cujas possíveis penas não sejam superiores a um ano. Na negociação, Silvio Pereira concordou em cumprir 750 horas de serviço comunitário ao longo dos próximos três anos. Ele precisa se apresentar mensalmente à Justiça e não pode viajar por mais de oito dias sem autorização judicial.

Silvio Pereira também não poderá assumir nenhuma função pública nos próximos três anos, tempo em que ainda será considerado réu. “Estou limpo”, disse, ao deixar o Fórum. O acordo do ex-secretário- geral do PT com os promotores reconsiderou a suspensão de seus direitos políticos. “Não é que eu queira ser candidato nas eleições, mas esse ponto era uma questão simbólica para mim”, disse um sorridente Silvio Pereira. “A única certeza que eu tenho é que não era nunca para eu estar entre os 40 [réus]. Para mim, esse processo se encerra hoje.”

O acordo com Pereira é na prática a primeira condenação do Mensalão e um embaraço para os outros réus que seguem negando os fatos denunciados pela Procuradoria. É também uma prova da complacência da legislação brasileira que, entre acordos para substituição de penas e chicanas protelatórias, pode terminar o caso dos 40 do Mensalão do PT sem que nenhum dos políticos cumpra uma temporada atrás das grades.