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Quando embarcar neste sábado no trem que o levará da Fidadélfia para Washington, passando por Wilminton e Baltimore, repetindo a viagem empreendida por Abraham Lincoln em 1861, Barack Obama estará viajando de uma crise a outra. De um lado, a crise econômica, espalhada por todo o território, mas mais aguda na região industrial do norte do país. Na capital, ele encontrará a crise política, com o questionamento do papel do governo na economia e do papel dos Estados Unidos no mundo depois do estrago feito pela guerra do Iraque e da crise financeira. Na terça-feira 20, quando entrar na Casa Branca pela primeira vez depois de empossado e de fazer um discurso prometendo uma nova era, ele terá que enfrentar os problemas reais. O que se espera dele não é pouco. Nem é pouco o que espera por ele. Tanto na economia quanto na política, o novo presidente enfrenta pressões dos dois lados. Para salvar bancos e empresas à beira da falência e para não desperdiçar dinheiro público com setores que deveriam morrer de qualquer maneira. Na política externa, para não se meter em outros países e, ao mesmo tempo, para usar sua influência e negociar a paz no Oriente Médio. Dentro de casa, para atender às expectativas dos 63 milhões de americanos que votaram nele em novembro e esperam uma solução para seus problemas – que só aumentaram desde a eleição. Obama terá a difícil tarefa de conciliar interesses diferentes e de evitar que a recessão que se instalou no ano passado se prolongue por muito tempo.

Se o país inteiro está em recessão, em Detroit, no Estado de Michigan, na divisa com o Canadá, a crise é mais severa. Ali, os problemas não começaram agora, mas a recessão atingiu em cheio o berço da indústria automobilística e do próprio setor industrial americano, em contração devido à transferência de fábricas para outros países. Desde 1950, a população de Detroit caiu de 1,5 milhão para 916 mil e, desde 2002 é a cidade grande mais pobre dos Estados Unidos, com um terço da população abaixo da linha da pobreza. Durante muito tempo, as "três grandes" de Detroit – General Motors, Chrysler e Ford – ofereceram bons empregos, com bons salários, um bom plano de saúde até a aposentadoria e um bom fundo de pensão. Mas aos poucos elas se tornaram complacentes e ignoraram o potencial da concorrência. Nos anos 1980, quando as concorrentes asiáticas começaram a entrar no mercado americano com seus carros menores e mais econômicos, as americanas se mantiveram fiéis aos carrões com muito motor e muita sede de combustível. O que era o símbolo da superioridade industrial se tornou o retrato da ineficiência. O mercado crescia, mas a fatia das montadoras americanas era cada vez menor. No ano passado, com a queda de 18% nas vendas, a situação piorou. A maior delas, a GM, esteve à beira da falência e as "três grandes" receberam recursos do governo para se manter funcionando, prometendo investir em veículos com menor consumo de combustível e em alternativas ao petróleo.

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A neve que castigou Detroit na semana passada tornou mais deprimente o cenário de desolação de uma cidade que ainda exibe uma arquitetura grandiosa, mas tem as ruas vazias pela falta de atividade econômica. Na terça-feira 13, Mark Hooper aguardava na fila da agência de seguro-desemprego para saber por quanto tempo continuará recebendo o benefício. Motorista de caminhões que entregam concreto em obras, ele já está acostumado a perder o emprego no inverno, quando as temperaturas chegam a 15 graus abaixo de zero e dificultam o trabalho ao ar livre. Ele foi dispensado em outubro do ano passado e, desde então, seu rendimento caiu de US$ 3 mil para US$ 1, 5 mil. Deixou de pagar a prestação da casa em que mora com a mulher e os dois filhos pequenos e corre o risco de perder o imóvel. O site Realty Trac, especializado em venda de imóveis, lista 21.449 propriedades à venda que foram retomadas pelos bancos por falta de pagamento em Detroit. Metade dos imóveis vendidos no ano passado custou menos de US$ 10 mil. A casa de Hooper, com quatro quartos, comprada em 2003 por US$ 127 mil, vale hoje US$ 65 mil. E, mesmo se ele quisesse vender o imóvel, o dinheiro não seria suficiente para pagar a dívida que tem com o banco.

QUATRO DIAS DE COMEMORAÇÕES

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Apesar da previsão de temperaturas de até quatro graus negativos, estima-se que cerca de dois milhões de pessoas estarão em Washington para a posse do novo presidente. As ruas em torno da Casa Branca e do Congresso estarão fechadas ao trânsito durante todo o dia, assim como as pontes que atravessam o rio Potomac e ligam a capital ao Estado da Virgínia. O movimento na cidade deve ser intenso, mas até a semana passada ainda havia lugar nos hotéis – contrariando a previsão de que todos estariam lotados. Inúmeros sites oferecem quartos para alugar. Parte dos moradores da cidade vai aproveitar o feriado de Martin Luther King, na segunda-feira 19, para escapar do movimento. As empresas que criaram produtos para a ocasião estão faturando. Tem de tudo: de sabonete "para limpar os Estados Unidos" a um tíquete do metrô de Washington com o rosto de Barack Obama.

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As comemorações começam na noite do sábado 17, quando Obama e o vicepresidente, Joe Biden, chegam à cidade depois de uma viagem de trem desde a Filadélfia. No dia seguinte, um show no Lincoln Memorial reúne estrelas como Beyoncé, Bono, Sheryl Crow, Shakira, Bruce Springsteen, James Taylor, Stevie Wonder, Martin Luther King III, Queen Latifah e Denzel Washington. O novo presidente pediu que, na terça-feira 20, as pessoas participem de trabalhos voluntários em suas comunidades. Mas a posse não terá chefes de Estado estrangeiros. Para evitar problemas de segurança, eles não foram convidados. Os países serão representados em Washington por seus embaixadores.

 A situação de Hooper não é nem de longe uma exceção nos EUA. Em dezembro, o índice nacional de desemprego subiu para 7,2% na média do país, o mais elevado em 16 anos. Em Detroit, o desemprego já estava em dois dígitos durante a maior parte de 2008. Em novembro, quando a média nacional era de 6,8% e a do Estado de Michigan de 9,6%, o índice de Detroit já estava em 10,6%. Por isso, Hooper acha que, desta vez, terá dificuldade em recuperar o emprego na primavera, quando as obras tradicionalmente são retomadas. "Estou pensando em voltar para a escola e me tornar eletricista", contou. Vernice Prince pensa em alternativa similar. Ela está vivendo num abrigo do Exército da Salvação com o filho de 13 anos e a filha de um ano desde que deixou o marido, há dois meses, porque ele não trabalhava. Grávida de cinco meses, Vernice perdeu o emprego em outubro e, quando tiver o bebê, quer estudar enfermagem. "Este é um setor em que sempre tem emprego", diz.

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Washington, cidade que tem índices de desemprego e de pobreza muito menores, é menos atingida pela variação da economia, mas a crise também já é sentida. A menos de uma semana da posse, quando a cidade deveria estar lotada, os hotéis ainda têm vagas e moradores que esperavam ganhar um bom dinheiro alugando quartos para os visitantes estão decepcionados. No aeroporto, um motorista de táxi conta que ficou três horas esperando na fila a vez de pegar um passageiro. "Está muito devagar. Cadê as pessoas que iam vir para a posse?", reclama. A cidade de maioria negra, onde 93% dos eleitores votaram em Obama, tem grandes expectativas com o novo morador da Casa Branca.

Uma das mudanças aguardadas vai se dar em Nova York. Espera-se que o novo governo restaure a confiança no sistema financeiro, introduzindo novos controles regulatórios. Ao mesmo tempo, boa parte dos americanos espera do governo a salvação do sistema – e de seus empregos e de sua poupança. "O governo vai ficar maior, porque vai precisar de gente para administrar toda essa injeção de dinheiro público nas empresas e no sistema financeiro. Por isso, será preciso também mais regulação", disse à ISTOÉ Stephen Hess, professor da Universidade George Washington e pesquisador do Brooking Institution, um grupo de estudos da capital americana, que já trabalhou em vários governos.

Um pacote em negociação no Congresso prevê a injeção de US$ 825 bilhões na economia, dois terços em gastos públicos e o restante em redução de impostos para pessoas físicas e empresas. A política externa ficou em segundo plano com o aprofundamento da crise econômica – até que o conflito entre israelenses e palestinos em Gaza colocou o assunto na agenda e encontrou Washington num vácuo de poder. Ao mesmo tempo que o mundo espera que os EUA se comportem de forma menos "imperialista" com Obama, há uma pressão para que ele intervenha no Oriente Médio. Obama já prometeu um novo jeito de lidar com as questões externas, mais internacionalista e cooperativo. Terá que fazer isso logo, enquanto o mundo está em lua-de-mel com ele, e se esforçar para restaurar o estrago que a guerra do Iraque fez à imagem dos EUA de defensores da liberdade e dos direitos humanos.

APOSTA NA DIPLOMACIA

Um dos cargos mais importantes do governo Obama foi para uma personalidade bem conhecida: a ex-primeira-dama e senadora Hillary Clinton, que assume o Departamento de Estado em meio ao ressurgimento dos conflitos entre israelenses e palestinos. Na sabatina no Senado, na semana passada, ela evitou dar detalhes de como será a atuação dos EUA na região com o novo governo, mas negou qualquer intenção de negociar com os extremistas do Hamas, a não ser que o grupo renuncie à violência, reconheça Israel e aceite respeitar os acordos já firmados e não cumpridos entre israelenses e palestinos. O governo Bush foi muito criticado por não ter se empenhado no processo de paz. Ela reafirmou a intenção do novo governo de dar mais ênfase à diplomacia. "Temos de usar o ‘poder inteligente’, que é pegar todas as ferramentas à nossa disposição e escolher o melhor para cada situação", disse Hillary. A principal mudança na política externa anunciada por Hillary é com relação ao Irã: como disse Obama na campanha, ela confirmou que os EUA devem conversar com o país para que os iranianos desistam do programa nuclear. Hillary também confirmou a intenção de aliviar as restrições de viagem e envio de remessas a Cuba.

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